22/05/2018

Para Gostar de Ler, Vol. 5

Carlos Drumond de Andrade
Fernando Sabino
Paulo Mendes Campos
Rubem Braga
PARA GOSTAR DE LER
Volume 5
editora ática
Crônicas
Edição de texto
Jiro Takahashi
Edição de arte
Ary Almeida Normanha
Antônio do Amaral Rocha
Mario Cafiero/ilustração da capa
Aderbal Moura/ilustrações internas
René Etiene Ardanuy e
Mara Patrícia Seixas/arte final
Colaboração na seleção
de textos
Edson Lima Gonçalves
Francisco Marto de Moura
Icléa Mello Gonçalves
Ilka Brunhildo Laurito

Irene Uematsu
José Inaldo Godoy
José Luiz Pieroni Rodrigues
Laiz Barbosa de Carvalho
Sara Ortiz Capellari
EDITORA AFILIADA
Impressão e acabamento
GEOGRÁFICA
Fone (011)716-0533
ISBN 85 08 00123 1
1998
Todos os direitos reservados pela Editora Ática
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Caixa Postal 2937 — CEP 01065-970
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A crônica não é um"gênero maior". Não se imagina uma literatura
feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos
grandes romancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em atribuir o
Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse. Portanto, parece mesmo
que a crônica é um gênero menor.
"Graças a Deus",- seria o caso de dizer, porque sendo assim ela
fica perto de nós. E para muitos pode servir de caminho não apenas para
vida, que ela serve de perto, mas para a literatura, como dizem os
quatro cronistas deste livro na linda introdução ao primeiro volume da
série. Por meio dos assuntos, da composição aparentemente solta, do ar
de coisa sem necessidade que costuma assumir, ela se ajustà à
sensibilidade de todo o dia. Principalmente porque elabora uma linguagem
que fala de perto ao nosso modo de ser mais natural. Na sua
despretensão, humaniza; e esta humanização lhe permite, como compensação
sorrateira, recuperar com a outra mão uma certa profundidade de
significado e um certo acabamento de forma, que de repente podem fazer
dela uma inesperada embora discreta candidata à perfeição. É o que o
leitor verá em muitas que compõem este volume e os que o precederam na
mesma série.
Mas antes de chegar nelas, vamos pensar um pouco na própria
crônica como gênero. Lembrar, por exemplo, que o fato de ficar tão perto
do dia-a-dia age como quebra do monumental e da ênfase. Não que estas
coisas sejam necessariamente ruins. Há estilos roncantes mas eficientes,
e muita grandiloqüência consegue não só arrepiar, mas nos deixar
honestamente admirados. O problema é que a magnitude do assunto e a
pompa da linguagem podem atuar como disfarce da realidade e mesmo da
verdade. A literatura corre com freqüência este risco, cujo resultado é
quebrar no leitor a possibilidade de ver as coisas com retidão e pensar
em conseqüência disto. Ora, a crônica está sempre ajudando a estabelecer
ou restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas. Em lugar de
oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos
candentes, pega o mundo e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma
singularidade insuspeitadas. Ela é amiga da verdade e da poesia nas suas
formas mais diretas e também nas
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suas formas mais fantásticas, -
sobretudo porque quase sempre utiliza o humor.
Isto acontece porque não tem pretensões a durar, uma vez que é
filha do jornal e da era da máquina, onde tudo acaba tão depressa. Ela
não foi feita originariamente para o livro, mas para essa publicação
efêmera que se compra num dia e no dia seguinte é usada para embrulhar
um par de sapatos ou forrar o chão da cozinha. Por se abrigar neste
veículo transitório, o seu intuito não é o dos escritores que pensam em
"ficar", isto é, permanecer na lembrança e na admiração da posteridade;
e a sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, mas do
simples res-do-chão. Por isso mesmo consegue quase sem querer
transformar a literatura em algo íntimo com relação à vida de cada um, e
quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a
sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava. Como no
preceito evangélico, o que quer salvar-se acaba por perder-se; e o que
não teme perder-se acaba por se salvar. No caso da crônica, talvez como
prêmio por ser tão despretensíosa, insinuante e reveladora. E também
porque ensina a conviver intimamente com a palavra, fazendo que ela não
se dissolva de todo ou depressa demais no contexto, mas ganhe relevo,
permitindo que o leitor a sinta na força dos seus valores próprios.
Retificando o que ficou dito atrás, ela não nasceu propriamente
com o jornal, mas só quando este se tornou quotidiano, de tiragem
relativamente grande e teor accessível, isto é, há uns cento e cinqüenta
anos mais ou menos. No Brasil ela tem uma boa história, e até se poderia
dizer que sob vários aspectos é um gênero brasileiro, pela naturalidade
com que se aclimatou
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aqui e a originalidade com que aqui se desenvolveu.
Antes de ser crônica propriamente dita foi "folhetim", ou seja, um
artigo de rodapé sobre as questões do dia, - políticas, sociais,
artísticas, literárias. Assim eram os da secção "Ao correr da pena",
título significativo a cuja sombra José de Alencar escrevia semanalmente
para o Correio Mercantil, de 1854 a 1855. Aos poucos o "folhetim" foi
encurtando e ganhando certa gratuidade, certo ar de quem está escrevendo
à toa, sem dar muita importância. Depois, entrou francamente pelo tom

ligeiro e encolheu de tamanho, até chegar ao que é hoje.
Ao longo deste percurso, foi largando cada vez mais a intenção
de informar e comentar (deixada a outros tipos de jornalismo), para
ficar sobretudo com a de divertir. A linguagem se tornou mais leve, mais
descompromissada e (fato decisivo) se afastou da lógica argumentativa ou
da crítica política, para penetrar poesia adentro. Creio que a fórmula
moderna, onde entra um fato miúdo e um toque humorístico, com o seu
quantum satis de poesia, representa o amadurecimento e o encontro mais
puro da crônica consigo mesma.
No século passado, em José de Alencar, Francisco Otaviano e
mesmo Machado de Assis, ainda se notava mais o corte de artigo leve. Em
França Júnior já é nítida uma redução de escala nos temas, ligada ao
incremento do humor e certo toque de gratuidade. Olavo Bilac, mestre da
crônica leve, guarda um pouco do comentário antigo mas amplia a dose
poética, enquanto João do Rio se inclina para o humor e o sarcasmo, que
contrabalançam um pouco a tara do esnobismo. Eles e muitos outros,
maiores e menores, de Carmen Dolores e João Luso até os nossos dias,
contribuíram para fazer do gênero este produto sul generis do jornalismo
literário brasileiro que ele é hçje.
A leitura de Bilac é instrutiva para mostrar como a crônica já
estava brasileira, gratuita e meio lírico-humorística, a ponto de
obrigá-lo a amainar a linguagem, a descascá-la dos adjetivos mais
retumbantes e das construções mais raras, como as que ocorrem na sua
poesia e na prosa das suas conferências e discursos. Mas que encolhem
nas crônicas. É que nelas parece não
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caber a sintaxe rebuscada, com
inversões freqüentes; nem o vocabulário"opulento", como se dizia, para
significar que era variado, modulando sinônimos e palavras tão raras
quanto bem soantes. Num país como o Brasil, onde se costumava
identificar superioridade intelectual e literária com grandiloqüência e
requinte gramatical, a crônica operou milagres de simplificação e
naturalidade, que atingiram o ponto máximo nos nossos dias, como se pode
ver nas deste livro.

O seu grande prestígio atual é um bom sintoma do processo de
busca de oralidade na escrita, isto é, de quebra do artifício e
aproximação com o que há de mais natural no modo de ser do nosso tempo.
E isto é humanização da melhor. Quando vejo que os professores de agora
fazem os alunos lerem cada vez mais as crônicas, fico pensando nas
leituras do meu tempo de secundário. Fico comparando e vendo a
importância deste agente de uma visão mais moderna na sua simplicidade
reveladora e penetrante.
No meu tempo, entre as leituras preferidas para a sala de aula
estavam os discursos: exórdio do sermão de São Pedro de
Alcântara, de Monte Alverne; trecho do sermão da Sexagésima, de Vieira;
Oração da Coroa, de Demóstenes, na tradução de Latino Coelho; Ruy
Barbosa sobre o jogo, o chicote, a missão dos moços. Um sinal dos tempos
é essa passagem do discurso, com a sua inflação verbal, para a crônica,
com o seu tom menor de coisa familiar.
Acho que foi no decênio de 1930 que a crônica moderna se definiu
e consolidou no Brasil, como gênero bem nosso, cultivado por um número
crescente de escritores e jornalistas, com os seus rotineiros e os seus
mestres.
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Nos anos 30 se afirmaram Mário de Andrade, Manuel Bandeira,
Carlos Drummond de Andrade, e apareceu aquele que de certo modo seria o
cronista, voltado de maneira praticamente exclusiva para este gênero:
Rubem Braga.
Tanto em Drummond quanto nele observamos um traço que não é raro
na configuração da moderna crônica brasileira: no estilo, a confluência
da tradição, digamos clássica, com a prosa modernista. Essa fórmula foi
bem manipulada em Minas (onde Rubem Braga viveu alguns anos decisivos da
vida); e dela se beneficiaram os que surgiram nos anos 40 e 50, como
Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. É como se (imaginemos) a
linguagem seca e límpida de Manuel Bandeira, coloquial e corretíssima,
se misturasse ao ritmo falado de Mário de Andrade, com uma pitada do
arcaísmo programado pelos mineiros.

Neles todos, e alguns outros que não estão aqui, como por
exemplo Rachel de Queiroz, há um traço comum: deixando de ser comentário
mais ou menos argumentativo e expositivo para virar conversa
aparentemente fiada, foi como se a crônica pusesse de lado qualquer
seriedade nos problemas. Mas observem bem as deste livro. É curioso como
elas mantêm o ar despreocupado, de quem está falando coisas sem maior
conseqüência; e, no entanto, não apenas entram fundo no significado dos
atos e sentimentos do homem, mas podem levar longe a crítica social.
Veja-se a extraordinária Carta a uma senhora", de Carlos Drummond de
Andrade (p. 19), onde a menininha que não possui nem vinte cruzeiros faz
desfilar na imaginação os presentes que desejaria, no Dia das Mães,
oferecer à sua. É como se ela estivesse do lado de fora de uma vitrina
imensa, onde se acham os objetos maravilhosos que a propaganda criadora
de aspirações e necessidades transformou em bens ideais. Ela os enumera
numa escrita que o cronista fez ao mesmo tempo belíssima e liricamente
infantil. A impressão do leitor é de divertida simplicidade que se
esgota em si mesma; mas por trás está todo o drama da sociedade chamada
de consumo, muito mais iníqua num país como o nosso, cheio de pobres e
miseráveis que ficam alijados da sua
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míragem sedutora e inaccessível:
Mammy, o braço dói de escrever e tinha um liquidificador de 3
velocidades, sempre quis que a Sra. não tomasse trabalho de espremer
laranja, a máquina de tricô faz 500 pontos, a Sra. sozinha faz muito
mais. Um secador de cabelo para Mammy! gritei, com capacete plástico mas
passei adiante, a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me
tentou, é um estouro, mas eu sabia que minha Mãezinha nunca tem tempo de
sentar. Mais o quê? Ah sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de
talco de plástico perolado, par de meias, etc.
Veja-se depois, no limite do patético, firme e discretamente
evitado pelo autor, a"última crônica", de Fernando Sabino (p. 40): a
família de pretos que vai ao botequim celebrar o aniversário da menina,
com um pedaço de bolo onde o pai finca e acende três velinhas trazidas
no bolso. Não será a mesma criança que escreveu a carta mirífica do Dia
das Mães? Diz o cronista:
Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso

conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de
ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do
acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma
criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador e perco
a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo o
meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu
quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço
então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem
uma crônica.
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É então que vê o casal com a filhinha e assiste ao ritual
modesto. Mas as suas reflexões, a maestria com que constrói a cena e
todo o ritmo emocionado sob a superfície do humor lírico- constituem ao
mesmo tempo uma pequena e despretensiosa teoria da crônica, deixando ver
o que sugeri, isto é, que por baixo delas há sempre muita riqueza para o
leitor explorar. Dizendô isto, não quero transformar em tratados sisudos
essas peças leves. Ao contrário. Quero dizer que por serem leves e
accessíveis talvez elas comuniquem mais do que um estudo intencional a
visão humana do homem na sua vida de todo o dia.
É importante insistir no papel da simplicidade, brevidade e
graça próprias da crônica. Os professores tendem muitas vezes a incutir
nos alunos uma idéia falsa de seriedade; uma noção duvidosa de que as
coisas sérias são graves, pesadas, e que conseqüentemente a leveza é
superficial. Na verdade, aprende-se muito quando se diverte, e aqueles
traços constitutivos da crônica são um veículo privilegiado para mostrar
de modo persuasivo muita coisa que, divertindo, atrai, inspira e faz
amadurecer a nossa visão das coisas.
Este livro está cheio de exemplos disso; é quase só isso, de
começo a fim. Nele são raros os momentos de utilização da crônica como
milítância, isto é, participação decidida na realidade com o intuito de
mudá-la, como acontece em"Luto da família Silva", de Rubem Braga (p.
44),- abordando a grande maioria dos homens que sua e pena para fazer
funcionar a máquina da sociedade em beneficio de uns poucos:
A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos
pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas,

nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha.
Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta
os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões
dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no
Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.
Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo
na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João
da Silva. Porque nossa
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família um dia há de subir na política...
Aliás, este é um bom exemplo de como a crônica pode dizer as
coisas mais sérias e mais empenhadas por meio do ziguezague de uma
aparente conversa fiada. Mas igualmente sérias são as descrições alegres
da vida, o relato caprichoso dos fatos, o desenho de certos tipos
humanos, o mero registro daquele inesperado que surge de repente e que
Fernando Sabino procura captar, como explica na crônica citada mais
alto. Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou
simplesmente de divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a
troco do sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação.
Para voltarmos mais maduros à vida, conforme o sábio.
Para conseguir este efeito, o cronista usa diversos meios. Neste
livro há crônicas que são diálogos, como"Gravação", de Carlos Drummond
de Andrade (p. 16), ou"Conversinha mineira" (p. 28) e "Albertina" (p.
30), de Fernando Sabino. Outras parecem marchar rumo ao conto, à
narrativa mais espraiada com certa estrutura de ficção, como "Os
Teixeiras", de Rubem Braga (p. 51), ou parecem anedotas
desdobradas, como"A mulher do vizinho", de Fernando Sabino (p. 38).
Nalguns casos o cronista se aproxima da exposição poética ou certo tipo
de biografia lírica, como vemos em Paulo Mendes Campos: "Ser brotinho"
(p. 60) e"Maria José" (p. 67), ambas admiráveis.
"Ser brotinho" é construída segundo a enumeração, como alguns
poemas de Vinícius de Moraes. Parece uma divagação livre, uma cadeia de
associações totalmente sem necessidade, que deveria resultar em simples
acúmulo de palavras. Mas eis que o milagre da inspiração (que não é mais
do que o poder misterioso

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de fazer as palavras funcionarem de maneira diferente em combinações
inesperadas) vai organizando um sistema expressivo tão perfeito, que no
fim ele aparece como a própria necessidade das coisas:
Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um
adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas
que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao vácuo
absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de
vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel,
recados que os anacolutos tornam misteriosos, anotações cri
ptográfícas sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros
com uma sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa
que pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser brotinho é a
inclinação do momento.
O leitor fica perguntando se ser brotinho não é um pouco ser
cronista, - dando aos objetos e aos sentimentos um arranjo tão
aparentemente desarranjado e na verdade tão expressivo, tirando
significados do que parece insignificante."(...) dar sentido de repente
ao vácuo absoluto" é a magia da crônica.
Parece às vezes que escrever crônica obriga a uma certa
comunhão, produz um ar de família que aproxima os autores acima da sua
singularidade e das suas diferenças. É que a crônica brasileira bem
realizada participa de uma língua geral lírica, irônica, casual, ora
precisa e ora vaga, amparada por um diálogo rápido e certeiro, ou por
uma espécie de monólogo comunicativo.
Aqui, cada um dos autores está presente, ao mesmo tempo, nessa
comunidade e no vinco da sua maneira pessoal. Apenas um deles é cronista
puro, ou quase: Rubem Braga. Mas todos escrevem como se este fosse o seu
veículo predileto, embora sintamos em cada um a presença nutritiva das
suas outras atividades literárias. A precisão de Drummond, o movimento
nervoso de Fernando Sabino, a larga onda lírica de Paulo Mendes Campos.
Provindos de três gerações literárias, eles se encontram aqui numa
espécie de espetáculo fraterno, mostrando a força da crônica brasileira
e sugerindo a sua capacidade de traçar o perfil do mundo e dos homens.

15 Carlos Drumond de Andrade
Gravação - 16
Carta a uma senhora - 19
Anúncio de João Alves - 21
Este Natal - 23
No lotação - 25
27 Fernando Sabino
Conversinha mineira - 28
Albertina - 30
Obrigado, doutor - 35
A mulher do vizinho - 38
A última crônica - 40
43 Rubem Braga
Luto da família Silva - 44
Os jornais - 46
Ele se chama Pirapora - 48
Os Teixeiras - 51
A casa viaja no tempo - 57
59 Paulo Mendes Campos
Ser brotinho - 60
Fábula eleitoral para crianças - 63
Maria José - 67
O carioca e a roupa - 69
O cego de Ipanema - 73
Referências bibliográficas das crônicas - 77
15

Carlos Drumond de Andrade
Gravação
Carta a uma senhora
Anúncio de João Alves
Este Natal
No lotação
16
Gravação
- Pronto, tá ligado. Posso começar?
- Pode.
- O senhor se sente realizado?
- Por que você quer saber isso?
- Nada não. O professor é que mandou lhe perguntar.
- O professor tem interesse em saber se eu me sinto realizado?
- Sei não senhor.
- Então diga ao professor que venha me procurar.
- Pra quê?
- Para eu lhe perguntar se ele se sente realizado.
- O senhor vai perguntar isso a ele?
- Vou.
- O senhor também está estudando? Nessa idade, poxa!
- Quê que tem? Toda idade é boa para estudar, a gente não acaba
nunca de saber as coisas. Mas não estou estudando não.
- Então por que vai perguntar isso ao professor?
- Porque se ele quer saber se eu me sinto realizado, eu também
quero saber a mesma coisa dele. Indiscrição por indiscrição.
Carlos Drummond de Andrade- 17
- Gozado... Mas se o senhor fizer isso não bota o meu nome no
meio, porque vai dar grilo. Vê lá, hem.

- Fique descansado. Não vou comprometer voce.
- E o senhor só vai responder a minha pergunta depois de falar
com ele? E se ele não responder? Se demorar? Tenho de entregar esta
entrevista até quinta-feira.
- Bem, eu respondo agora mesmo.
- Então responde, vamos lá.
- Primeiro eu preciso saber: o que é se sentir realizado?
- O senhor não sabe?
- Para dizer o que eu sinto, quero saber antes se o que eu sinto
é o mesmo que se deve sentir quando se está realizado, ou se julga
estar. E para isso é preciso saber o que é estar realizado.
- Poxa, não complica.
- Estou complicando, meu querido? Minha intenção era
simplificar, esclarecer. O que é mesmo se sentir realizado?
- Ora! Se sentir realizado é. . . quer dizer... Não sei explicar
muito bem, mas o senhor entende, né?
- Mais ou menos. Quer dizer: menos. E você?
- Se o senhor não entende bem, eu é que vou entender?
- Então, como é que eu posso responder?
- Ué, o senhor é o entrevistado, o que sabe das coisas.
- E quando não sei?
- Não sabe se está realizado?
- Não sei nem o que é realizado.
- Corta essa. Não vai me dizer que não tem dicionário em casa.
- Tenho alguns, mas em vez de me tirarem as dúvidas, me
acrescentam outras.
- Desculpa, mas o senhor é enrolado, hem? Será que não achou o
significado de realizado?
18
- Achei quatro ou cinco. Quer ver? Olhe aqui. O primeiro é o de
coisa ou negócio que se realizou, que se tornou real. Será que me tornei
real? E antes não era? Quê que eu era então? Fantasma? Projeto?
- Assim o senhor me funde a cuca.
- Não tenho intenção.
- E os outros significados?
- No fim, está o neologismo, e aí é que- desculpe a expressão,
que não costumo usar, mas me deu vontade- aí é que a vaca vai pro
brejo. Aqui está:"indivíduo realizado: dito por uma pessoa, de si

própria, quando considera ter alcançado todos o seus objetivos no
terreno ético ou no de suas atividades profissionais ou artísticas."
- Tá legal.
- Legal no papel, mas e dentro de mim?
- Dentro do senhor o quê?
- Quais são meus objetivos no terreno ético, ou, mais
modestamente, no terreno de minhas atividades profissionais ou
artísticas? Tenho objetivos éticos definidos? Quais são? São meus ou me
são impostos ou sugeridos pela educação e pela conveniência social? Se
fossem exclusivamente meus, quais seriam? E em minhas atividades
práticas ou criativas? Que é que eu pretendo? Pretendo sempre as mesmas
coisas? Não mudo de alvo? Não danço conforme a música ou até sem ela e
contra ela? Que é que eu sei de positivo a respeito disso, ao longo de
minha vida? Que pretendia eu há 20 anos? Há 10? Na semana passada? Me
procure depois de eu morrer. Aí então, posso dar balanço.
- Chega! Chega!
- Estou caceteando você?
- Não está enchendo não. É que a fita acabou. Até que a
entrevista foi bacana, um tremendo barato. O professor vai delirar, a
turma também. Um cara que não sabe se está realizado nem o que é
realizado! Papo findo, tchau!
Carlos Drummond de Andrade- 19
Carta a uma senhora
A garotinha fez esta redação no ginásio:
"Mammy, hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de
felicidades e tudo mais que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data
sublime conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a
gente não está na idade de entender mas um dia estaremos, resolvi lhe
oferecer um presente bem bacaninha e fui ver as vitrinas e li as
revistas. Pensei em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e
caixa acústica de 2 alto-falantes amplificador e transformador mas
fiquei na dúvida se não era preferível uma tv legal de cinescópio
multirreacionário som frontal, antena telescópica embutida, mas o nosso
apartamento é um ovo de tico-tico, talvez a Sra. adorasse o transistor

de 3 faixas de ondas e 4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava para
a cozinha e se divertia enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto
de barulho e dor de cabeça, desisti desse projeto musical, é uma pena,
enfim trata-se de um modesto sacrifício de sua filhinha em intenção da
melhor Mãe do Brasil.
Falei de cozinha, estive quase te escolhendo o grill automático
de 6 utilidades porta de vidro refratário e completo controle visual, só
não comprei-o porque diz que esses negócios eletrodomésticos dão prazer
uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se eles no armário
da copa.
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Como a gente não tem armário da copa nem copa, me lembrei de dar um,
serve de copa, despensa e bar, chapeado de aço tecnicamente
subdesenvolvido. Tinha também um conjunto para cozinha de pintura
porcelanizada fecho magnético ultra-silencioso puxador de alumínio
anodizado, um amoreco. Fiquei na dúvida e depois tem o refrigerador de
17 pés cúbicos integralmente utilizáveis, congelador cabendo um leitão
ou peru inteiro, esse eu vi que não cabe lá êm casa, sai dessa!
Me virei para a máquina de lavar roupa sistema de tambor
rotativo mas a Sra. podia ficar ofendida deu querer acabar com a sua
roupa lavada no tanque, alvinha que nem pomba branca, Mammy esfrega e
bate com tanto capricho enquanto eu estou no cinema ou tomo sorvete com
a turma. Quase entrei na loja para comprar o aparelho de ar
condicionado de 3 capacidades, nosso apartamentinho de fundo embaixo do
terraço é um forno, mas a Sra. vive espirrando, o melhor é não inventar
moda.
Mammy, o braço dói de escrever e tinha um liquidificador de 3
velocidades, sempre quis que a Sra. não tomasse trabalho de espremer
laranja, a máquina de tricô faz 500 pontos, a Sra. sozinha faz muito
mais. Um secador de cabelo para Mammy! gritei, com capacete plástico mas
passei adiante, a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me
tentou, é um estouro, mas eu sabia que minha Mãezinha nunca tem tempo de
sentar. Mais o quê? Ah sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de
talco de plástico perolado, par de meias, etc. Acabei achando tudo meio
chato, tanta coisa para uma garotinha só comprar e uma pessoa só usar,
mesmo sendo a Mãe mais bonita e merecedora do Universo. E depois, Mammy,
eu não tinha nem 20 cruzeiros, eu pensava que na véspera deste Dia a
gente recebesse não sei como uma carteira cheia de notas amarelas, não

recebi nada e te ofereço este beijo bem beijado e carinhosão de tua
filhinha Isabel".
Carlos Drummond de Andrade- 21
Anúncio de João Alves
Figura o anúncio em um jornal que o amigo me mandou, e está
assim redigido:
À procura de uma besta.- A partir de 6 de outubro do ano
cadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes
característicos: calçada e ferrada de todos os membros locomotores, um
pequeno quisto na base da orelha direita e crina dividida em duas seções
em conseqüência de um golpe, cuja extensão pode alcançar de 4 a 6
centímetros, produzido por jumento.
Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comércio, é
muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao cálculo de que foi
roubada, assim que hão sido falhas todas as indagações.
Quem, pois, apreendê-la em qualquer parte e a fizer entregue
aqui ou pelo menos notícia exata ministrar, será razoavelmente
remunerado. Itambé do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899.
(a) João Alves Júnior.
55 anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta
vermelho.escura mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó. E tu mesmo, se
não estou enganado, repousas suavemente no pequeno cemitério de Itambé.
Mas teu anúncio continua um modelo no gênero, se não para ser imitado,
ao menos como objeto de admiração literária.
Reparo antes de tudo na limpeza de tua linguagem. Não escreveste
apressada e toscamente, como seria de esperar de tua condição rural.
Pressa, não a tiveste, pois o animal desapareceu a 6 de outubro, e só a
19 de novembro
22

recorreste à Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagações.
Falharam. Formulaste depois um raciocínio: houve roubo. Só então pegaste
da pena, e traçaste um belo e nítido retrato da besta.
Não disseste que todos os seus cascos estavam ferrados;
preferiste dizê-lo "de todos os seus membros locomotores". Nem
esqueceste esse pequeno quisto na orelha e essa divisão da crina em duas
seções, que teu zelo naturalista e histórico atribuiu com segurança a um
jumento.
Por ser muito domiciliada nas cercanias deste comércio, isto
é, do povoado e sua feirinha semanal, inferiste que não teria fugido,
mas antes foi roubada. Contudo, não o afirmas em tom peremptório: "tudo
me induz a esse cálculo". Revelas aí a prudência mineira, que não
avança (ou não avançava) aquilo que não seja a evidência mesma. E
cálculo, raciocínio, operação mental e desapaixonada como qualquer
outra, e não denúncia formal.
Finalmente- deixando de lado outras excelências de tua prosa
útil- a declaração final: quem a apreender ou pelo menos"notícia exata
ministrar", será"razoavelmente remunerado". Não prometes recompensa
tentadora; não fazes praças de generosidade ou largueza; acenas com o
razoável, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo no
caso de bestas perdidas e entregues.
Já é muito tarde para sairmos à procura de tua besta, meu caro
João Alves do Itambé; entretanto essa criação volta a existir, porque
soubeste descrevê-la com decoro e propriedade, num dia remoto, e o
jornal a guardou e alguém hoje a descobre, e muitos outros são
informados da ocorrência. Se lesses os anúncios de objetos e animais
perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. Já não há essa precisão
de termos e essa graça no dizer, nem essa moderação nem essa atitude
crítica. Não há, sobretudo, esse amor à tarefa bem feita, que se pode
manifestar até mesmo num anúncio de besta sumida.
Carlos Drummond de Andrade- 23
Este Natal
- Este Natal anda muito perigoso- concluiu João Brandão, ao ver
dois PM travarem pelos braços o robusto Papai Noel, que tentava fugir, e

o conduzirem a trancos e barrancos para o Distrito. Se até Papai Noel é
considerado fora-da-lei, que não acontecerá com a gente?
Logo lhe explicaram que aquele era um falso velhinho,
conspurcador das vestes amáveis. Em vez de dar presentes, tomava-os das
lojas onde a multidão se comprime, e os vendedores, afobados com a
clientela, não podem prestar atenção a tais manobras. Fora apanhado em
flagrante, ao furtar um rádio transistor, e teria de despir a fantasia.
- De qualquer maneira, este Natal é fogo - voltou a ponderar
Brandão, pois se os ladrões se disfarçam em Papai Noel, que garantia tem
a gente diante de um bispo, de um almirante, de um astronauta? Pode ser
de verdade, pode ser de mentira; acabou-se a confiança no próximo.
De resto, é isso mesmo que o jornal recomenda:"Nesta época do
Natal, o melhor é desconfiar sempre". Talvez do próprio Menino Jesus,
que, na sua inocência cerâmica, se for de tamanho natural, poderá
esconder não sei que mecanismo pérfido, pronto a subtrair tua carteira
ou teu anel, na hora em que te curvares sobre o presépio para beijar o
divino infante.
O gerente de uma loja de brinquedos queixou-se a João que o
movimento está fraco, menos por falta de dinheiro que por medo de
punguistas e vigaristas. Alertados pela imprensa, os cautelosos preferem
não se arriscar a duas eventualidades: serem furtados ou serem
suspeitados como
24
afanadores, pois o vendedor precisa desconfiar do comprador: se ele,
por exemplo, já traz um pacote, toda cautela é pouca. Vai ver, o pacote
tem fundo falso, e destina-se a recolher objetos ao alcance da mão
rápida.
O punguista é a delicadeza em pessoa, adverte-nos a polícia.
Assim, temos de desconfiar de todo desconhecido que se mostre cortês; se
ele levar a requintes sua gentileza, o remédio é chamar o Cosme e depois
verificar, na delegacia, se se trata de embaixador aposentado, da era de
Ataulfo de Paiva e D. Laurinda Santos Lobo, ou de reles lalau.
Triste é desconfiar da saborosa moça que deseja experimentar
um vestido, experimenta, e sai com ele sem pagar, deixando o antigo, ou
nem esse. Acontece- informa um detetive, que nos inocula a suspeita
prévia em desfavor de todas as moças agradáveis do Rio de Janeiro. O
Natal de pé atrás, que nos ensinas o desamor.
E mais. Não aceite o oferecimento do sujeito sentado no ônibus,

que pretende guardar sobre os joelhos o seu embrulho. Quem use botas,
seja ou não Papai Noel, olho nele: é esconderijo de objetos surrupiados.
Sua carteira, meu caro senhor, deve ser presa a um alfinete de fralda,
no bolso mais íntimo do paletó; e se, ainda assim, sentir-se ameaçado
pelo vizinho de olhar suspeito, cerre o bolso com fita durex e passe uma
tela de arame fino e eletrificado em redor do peito. Enterrar o dinheiro
no fundo do quintal não adianta, primeiro porque não há quintal, e, se
houvesse, dos terraços dos edifícios em redor, munidos de binóculos,
ladrões implacáveis sorririam da pobre astúcia.
Eis os conselhos que nos dão pelo Natal, para que o atravessemos
a salvo. Francamente, o melhor seria suprimir o Natal e, com ele, os
especialistas em furto natalino. Ou- idéia de João Brandão, o sempre
inventivo- comemorá-lo em épocas incertas, sem aviso prévio, no maior
silêncio, em grupos pequenos de parentes, amigos e amores, unidos na paz
e na confiança de Deus.
Carlos Drummond de Andrade- 25
No lotação
Com o advento dos rádios transistores, o esporte, os fuxicos
internacionais e a música popular passaram a ser nossos companheiros de
viagem noônibus e no lotação. Por isso não estranhei ao ouvir, em
surdina,"areia da praia branquinha, branquinha, o vento levou o amor
que eu tinha". Olhando por olhar, não vi aparelho receptor junto ao
ouvido do rapaz que se sentara a meu lado, e era junto de mim que a
cançao abria suas pétalas. O rapaz- moreninho, magro, terno escuro bem
passado, de pobre caprichoso- tinha o rosto voltado para a rua, sua
boca mal se entreabria. Cantava para fora do veículo e para dentro de si
mesmo. Parecia ausente, perdido talvez em extensa praia de areia alva, à
procura de marcas de pés desaparecidos.
Depois, cantou"se mil vezes você me deixar e voltar, eu
aceito", e o fez um pouco mais alto. Passageiros viraram o pescoço para
ver de onde se exalavam essas falas de amor. Não queriam acreditar que
alguém cantasse no interior do lotação. Rádio se tolera. Mas voz humana,
próxima, direta? Dois deles fumavam, perto da inscrição que proíbe
expressamente fumar no recinto, sob pena de multa. É tão natural

desobedecer a uma proibição, como absurdo fazer alguma coisa que não
desobedece a nada, mas não foi expressamente permitida: esta, sim, é a
verdadeira, sutil infração. O rapaz cantava, sem proibição escrita. Era
quase fenómeno.
26
Sem dúvida, no espírito de alguns passou a idéia de reclamar.
Mas sempre se espera que alguém o faça por nós. Havia o medo do
ridículo, a possibilidade de um incidente desagradável. Dizer que o
rapaz estava perturbando o sossego dos passageiros seria demais. Que
sossego? A viagem é cheia de rangidos, trancos, finos, freadas bruscas,
berros de outros motoristas. Ele cometia uma ação inusitada, mas
indefinível. Cantava. Cantava por si, talvez por nós, que não sabemos ou
temos vergonha de cantar. Até que não cantava mal."O amor, meu bem, não
diz quando vem nem manda avisar ao coração." Não podendo fazer nada
contra o rapaz, uns sorriam, esse sorriso superior dos que sabem que não
é direito cantar no lotação, mas que toleram, em nome da boa educação, a
falta sonora de educação. Só as mulheres ficaram hirtas e neutrais como
se não estivessem ouvindo nada, e portanto não fossem obrigadas a tomar
atitude. É admirável nas mulheres esse fazer-de-conta, que lhes confere
uma dignidade facial absoluta diante daquilo que elas não sabem como
interpretar.
O cantor continuava a exalar o seu cancioneiro de penas de amor,
de esperanças e juras cálidas. Sempre alheio à reação dos companheiros
de viagem, sempre olhando para a rua ou para além da rua, variando de
letras. No Flamengo, calou-se. Tirou o cigarro, acendeu-o devagar, as
pessoas começaram a sentir a estranheza do silêncio, afinal não era mau
ir para o trabalho ouvindo uma voz razoável falar de ternuras e praias
enluaradas. Mas seria arriscado pedir-lhe que continuasse. Ele preferiu
assobiar uma das músicas. Não era a mesma coisa. Terminado o cigarro,
voltou a cantar, sério, longínquo.
Ao descer no Castelo, tive vontade de tocar-lhe no braço e
dizer-lhe:"Obrigado, amigo." Lembrei-me, porém, daquele grego de Nunca
aos domingos, que dançava pelo prazer de dançar, e não admitia aplausos.
Saí, com a cara mais indiferente do mundo.

Fernando Sabino - 27
Fernando Sabino
Conversinha mineira
Albertina
Obrigado, doutor
A mulher do vizinho
A última crônica
28
Conversinha mineira
- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo?
- Sei dizer não senhor: não tomo café.
- Você é dono do café, não sabe dizer?
- Ninguém tem reclamado dele não senhor.
- Então me dá café com leite, pão e manteiga.
- Café com leite só se for sem leite.
- Não tem leite?
- Hoje, não senhor.
- Por que hoje não?
- Porque hoje o leiteiro não veio.
- Ontem ele veio?
- Ontem não.
- Quando é que ele vem?
- Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só
que no dia que devia vir em geral não vem.
- Mas ali fora está escrito"Leiteira"!
Fernando sabino- 29

- Ah, isto está sim senhor.
- Quando é que tem leite?
- Quando o leiteiro vem.
- Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê?
- O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a
coalhada?
- Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite.
Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade?
- Sei dizer não senhor: eu não sou daqui.
- E há quanto tempo o senhor mora aqui?
- Vai para uns quinze anos. Isto é, não posso agarantir com
certeza: um pouco mais, um pouco menos.
- Já dava para saber como vai indo a situação, não acha?
- Ah, o senhor fala a situação? Dizem que vai bem.
- Para que Partido?
- Para todos os Partidos, parece.
- Eu gostaria de saber quem é que vai ganhar a eleição aqui.
- Eu também gostaria. Uns falam que é um, outros falam que
outro. Nessa mexida...
- E o Prefeito?
- Que é que tem o Prefeito?
- Que tal é o Prefeito daqui?
- O Prefeito? É tal e qual eles falam dele.
- Que é que falam dele?
- Dele? Uai, esse trem todo que falam de tudo quanto é Prefeito.
- Você, certamente, já tem candidato.
- Quem, eu? Estou esperando as plataformas.
- Mas tem ali o retrato de um candidato dependurado na parede,
que história é essa?
- Aonde, ali? Uê, gente: penduraram isso ai...
30
Albertina

Chamava-se Albertina, mas era a própria Nega Fulô: pretinha,
retorcida, encabulada. No primeiro dia me perguntou o que eu queria
para o jantar:
- Qualquer coisa- respondi.
Lançou-me um olhar patético e desencorajado. Resolvi dar-lhe
algumas instruções: mostrei-lhe as coisas na cozinha, dei-lhe dinheiro
para as compras, pedi que tomasse nota de tudo que gastasse.
Fernando Sabino- 31
- Você sabe escrever?
- Sei sim senhor- balbuciou ela.
- Veja se tem um lápis aí na gaveta.
- Não tem não senhor.
- Como não tem? Pus um lápis aí agora mesmo!
Ela abaixou a cabeça, levou um dedo à boca, ficou pensando.
- O que é lapisai?- perguntou finalmente.
Resolvi que já era tarde para esperar que ela fizesse o jantar.
Comeria fora naquela noite.
- Amanhã você começa- concluí.- Hoje não precisa fazer nada.
Então ela se trancou no quarto e só apareceu no dia seguinte. No
dia seguinte não havia água nem para lavar o rosto.
- O homem lá da porta veio aqui avisar que ia faltar - disse
ela, olhando-me interrogativamente.
- Por que você não encheu a banheira, as panelas, tudo isso aí?
- Era para encher?
- Era.
- Uê.
Não houve café, nem almoço e nem jantar. Saí para comer qualquer
coisa, depois de lavar-me com água mineral. Antes chamei Albertina, ela
veio lá de sua toca espreguiçando:
- Eu tava dormindo...- e deu uma risadinha.
- Escute uma coisa, preste bem atenção- preveni:
Eles abrem a água às sete da manhã, às sete e meia tornam a
fechar. Você fica atenta e aproveita para encher a banheira, enche tudo,
para não acontecer o que aconteceu hoje.
32
Ela me olhou espantada:

- O que aconteceu hoje?
Era mesmo de encher. Quando cheguei já passava de meia-noite,
ouvi barulho na área.
- É você, Albertina?
- É sim senhor...
- Por que você não vai dormir?
- Vou encher a banheira...
- A esta hora?!
- Quantas horas?
- Uma da manhã.
- Só?- espantou-se ela.- Está custando a pas- ......
- O senhor quer que eu arrume seu quarto?
- Quero.
-Tá.
Quarto arrumado, Albertina se detém no meio da sala, vira o
rosto para o outro lado, toda encabulada, quando fala comigo:
- Posso varrer a sala?
- Pode.
-Tá.
Antes que ela vá buscar a vassoura, chamo-a:
- Albertina!
Ela espera, assim de costas, o dedo correndo devagar no friso da
porta.
- Não seria melhor você primeiro fazer café?
-Tá.
Depois era o telefone:
Fernando Sabino- 33
- Telefonou um moço aí dizendo que é para o senhor ir num lugar
aí buscar não sei o quê.
- Como é o nome?
- Um nome esquisito...
- Quando telefonarem você pede o nome.
-Tá.
- Albertina!
- Senhor?

- Hoje vai haver almoço?
- O senhor quer?
- Se for possível.
-Tá.
Fazia o almoço. No primeiro dia lhe sugeri que fizesse pastéis,
só para experimentar. Durante três dias só comi pasteis.
- Se o senhor quiser que eu pare eu paro.
- Faz outra coisa.
-Tá.
Fez empadas. Depois fez um bolo. Depois fez um pudim. Depois fez
um despacho na cozinha.
- Que bobagem é essa aí, Albertina?
- Não é nada não senhor- disse ela.
- Tá- disse eu.
E ela levou para seu quarto umas coisas, papel queimado, uma
vela, sei lá o quê. O telefone tocava.
- Atende aí, Albertina.
- É para o senhor.
- Pergunte o nome.
-O.
- O quê?
- Disse que chama O.
Era o Otto. Aproveitei-me e lhe perguntei se não queria me
convidar para jantar em sua casa.
34
Finalmente o dia da bebedeira. Me apareceu bêbada feito um
gambá; agarrando-me pelo braço:
- Doutor, doutor... A moça aí da vizinha disse que eu tou beba,
mas é mentira, eu não bebi nada. . . O senhor não acredita nela não, tá
com ciúme de nóis!
Olhei para ela, estupefato. Mal se sustinha sobre as pernas e
começou a chorar.
- Vá para o seu quarto - ordenei, esticando o braço
dramaticamente.- Amanhã nós conversamos.
Ela nem fez caso. Senti-me ridículo como um general de pijama,
com aquela pretinha dependurada no meu braço, a chorar.
- Me larga!- gritei, empurrando-a. Tive logo em seguida de
ampará-la para que não caísse:- Amanhã você arruma suas coisas e vai

embora.
- Deixa eu ficar.. . Não bebi nada, juro!
Na cozinha havia duas garrafas de cachaça vazias, três de
cerveja. Eu lhe havia ordenado que nunca deixasse faltar três garrafas
de cerveja na geladeira. Ela me obedecia à risca: bebia as três,
comprava outras três.
Tranquei a porta da cozinha, deixando-a nos seus domínios. Mais
tarde soube que invadira os apartamentos vizinhos fazendo cenas. No dia
seguinte ajustamos as contas. Ela, já sóbria, mal ousava me olhar.
- Deixa eu ficar- pediu ainda, num sussurro. - Juro que não
faço mais.
Tive pena:
- Não é por nada não, é que não vou precisar mais de empregada,
vou viajar, passar muito tempo fora.
Ela ergueu os olhos:
- Nenhuma empregada?
- Nenhuma.
- Então tá.
Agarrou sua trouxa, despediu-se e foi-se embora.
Fernando Sabino- 35
Obrigado, doutor
Quando lhe disse que um vago conhecido nosso tinha morrido,
vítima de tumor no cérebro, levou as mãos à cabeça: - Minha Santa
Efigênia!
Espantei-me que o atingisse a morte de alguém tão distante de
nossa convivência mas logo ele fez Sentir a causa da Sua Perturbação:
- É o que eu tenho, não há dúvida nenhuma: esta dor de cabeça que
não passa! Estou para morrer.
Conheço-o desde menino, e sempre esteve para morrer. Não há
doença que passe perto dele e não se detenha, para convencê-lo em
iniludíveis Sintomas de que está com os dias COntados. Empresta
dimensões de síndromes terríveis à mais ligeira manifestação de azia OU
acidez estomacal:
- Até parece que andei COmendo fogo. Estou com Pirofagia
crônica. Esta cólica é que é o diabo, se eu fosse

36
mulher ainda estava explicado. Histeria gástrica. Úlcera péptica, no
duro.
Certa ocasião, durante um mês seguido, tomou injeções diárias de
penicilina, por sua conta e risco. A chamada dose cavalar.
- Não adiantou nada- queixa-se ele:- Para mim o médico que me
operou esqueceu alguma coisa dentro de minha barriga.
Foi operado de apendicite quando ainda criança e até hoje se
vangloria:
- Menino, você precisava de ver o meu apêndice: parecia uma
salsicha alemã.
No que dependesse dele, já teria passado por todas as operações
jamais registradas nos anais da cirurgia:"Só mesmo entrando na faca
para ver o que há comigo". Os médicos lhe asseguram que não há nada, ele
sai maldizendo a medicina:"Não descobrem o que eu tenho, são uns
charlatas, quem entende de mim sou eu". O radiologista, seu amigo
particular, já lhe proibiu a entrada no consultório: tirou-lhe
radiografia até dos dedos do pé. E ele sempre se apalpando e fazendo
caretas:"Meu fígado hoje está que nem uma esponja, encharcada de bílis.
Minha vesícula está dura como um lápis, põe só a mão aqui".
- É lápis mesmo, aí no seu bolso.
- Do lado de cá, sua besta. Não adianta, ninguém me leva a
sério.
Vive lendo bulas de remédio:"Este é dos bons"- e seus olhos se
iluminam:"justamente o que eu preciso. Dá licença de tomar um, para
experimentar?" Quando visita alguém e lhe oferecem alguma coisa para
tomar, aceita logo um comprimido. Passa todas as noites na farmácia:
"Alguma novidade da Squibb?"
Acabou num psicanalista:"Doutor, para ser sincero eu nem sei
por onde começar- dizem que eu estou doido?
Fernando Sabino- 37
O que eu estou é podre". Desistiu logo:"Minha alma não tem segredos para
ninguém arrancar. Estou com vontade é de arrancar todos os dentes".
E cada vez mais forte, corado, gordo e saudável. "Saudável,
eu?"- reage, como a um insulto:"Minha Santa Efigênia! Passei a noite que
só você vendo: foi aquele bife que comi ontem, não posso comer gordura

nenhuma, tem de ser tudo na água e sal". No restaurante, é o espantalho
dos garçons:"Me traga um filé aberto e batido, bem passado na chapa em
três gotas de azeite português, lave bem a faca que não posso nem sentir
o cheiro de alho, e duas batatinhas cozidas até começarem a desmanchar,
só com uma pitadinha de sal, modesta porém sincera".
De vez em quando um amigo procura agradá-lo:"Você está pálido, o
que é que há?" Ele sorri, satisfeito:"Menino, chega aqui que eu vou lhe
contar, você é o único que me compreende". E começa a enumerar suas
mazelas- doenças de toda espécie, da mais requintada patogenia, que
conhece na ponta da língua. Da última vez enumerou cento e três. E por
falar em língua, vive a mostrá-la como um troféu: "Olha como está
grossa, saburrosa. Estou com uma caverna no pulmão, não tem dúvida: essa
tosse, essa excitação toda, uma febre capaz de arrebentar o termômetro.
Meu pulmão deve estar esburacado como um queijo suíço. Tuberculoso em
último grau". E cospe de lado:"Se um mosquito pousar nesse cuspe, morre
envenenado".
Ultimamente os amigos deram para conspirar, sentenciosos: o que
ele precisa é casar. Arranjar uma mulherzinha dedicada, que cuidasse
dele."Casar, eu?"- e se abre numa gargalhada:"Vocês querem acabar de
liquidar comigo?". Mas sua aversão ao casamento não pode ser tão forte
assim, POiS consta que de uns dias para cá está de namoro sério Com uma
jovem, recém-diplomada na Escola de Enfermagem Ana Néri.
38
A mulher do vizinho
Na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático General
do nosso Exército, morava (ou mora) também um sueco cujos filhos
passavam o dia jogando futebol com bola de meia.
Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do General e um dia
o General acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para
dar um jeito nos filhos do vizinho.
O delegado resolveu passar uma chamada no homem e intimou-o a
comparecer à delegacia.

O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não
parecia ser um importante industrial, dono de grande fábrica de papel
(ou coisa parecida), que realmente ele o era. Obedecendo à intimação
recebida, compareceu em
Fernando Sabino- 39
companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado
tinha a lhe dizer. O delegado tinha a lhe dizer o seguinte:
- O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode
logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar num troço chamado
autoridades constituídas? Não sabe que tem de conhecer as leis do país?
Não sabe que existe uma coisa chamada Exército Brasileiro, que o senhor
tem de respeitar? Que negócio é esse? Então é ir chegando assim sem
mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse a
casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: "dura
lex"! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram
incomodando o General, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos
feito o senhor.
Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de
aprovação do escrivão a um canto. O vizinho do General pediu, com
delicadeza, licença para se retirar. Foi então que a mulher do vizinho
do General interveio:
- Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido?
O delegado apenas olhou-a, espantado com o atrevimento.
- Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o
senhor. Meu marido não é gringo nem meus filhos são moleques. Se por
acaso importunaram o General, ele que viesse falar comigo, pois o senhor
também está nos importunando. E fique sabendo que sou brasileira, sou
prima de um Major do Exército, sobrinha de um Coronel e filha de um
General! Morou?
Estarrecido, o delegado só teve força para engolir em seco e
balbuciar humildemente:
- Da ativa, minha senhora?
E, ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os
braços, desalentado:
- Da ativa, Motinha. Sai dessa.

40
A última crônica
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um
café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com
êxito mais um
Fernando Sabino -41
ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu
pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo
humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava
ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer
num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num
incidente doméstico, tomo-me simples espectador e perco a noção do
essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café,
enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o
meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um
último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma
crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa
das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A
compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se
acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na
cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à
mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes
de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa
a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém,
que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que
discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para
trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A

mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se
aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do
homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para
os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua pre-
42
sença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem
atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinhoum bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de
coca-cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não
começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à
mesa a um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e
brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de
fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um
animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente
na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o
fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa
o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas.
Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio,
a que os pais se juntam, discretos:"parabéns pra você, parabéns pra
você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A
negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a
comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a
fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O
pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer
intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo,
nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila,
ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre
num sorriso.
Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como
esse sorriso.

Rubem Braga - 43
Rubem Braga
Luto da família Silva
Os jornais
Ele se chama Pirapora
Os Teixeiras
A casa viaja no tempo
44
Luto da família Silva
A Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava
deitado na calçada. Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia, O
homem estava morto, O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção
dos"Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito:
João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
João da Silva- Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala
comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem.
Nós somos os joões da silva. Nós somos os populares joões da silva.
Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na
rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma famiia
ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros
nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi
colonizado, nós éramos os
45
degredados. Depois fomos os índios. Depois

fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva.
Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. É por engano. Os
Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos
pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local
da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família.
Usamos o sobrenome"de Tal". A família Silva e a família"de Tal" são a
mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser
considerada boa família. Até as mulheres que não são de família
pertencem à família Silva.
João da Silva- Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não
possuía sangue-azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho -
vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai
mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que
trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família
Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira
Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa
família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte,
na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha
nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas
praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em
todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de
barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o
tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos
Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é
feito Maria Polaca: faz tudo.
Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar voce é mesmo
na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João
da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política.
Junho, 1935
46
Os jornais
Meu amigo lança fora, alegremente, o jornal que está lendo e

diz:
- Chega! Houve um desastre de trem na França, um acidente de
mina na Inglaterra, um surto de peste na India. Você acredita nisso que
os jornais dizem? Será o mundo assim, uma bola confusa, onde acontecem
unicamente desastres e desgraças? Não! Os jornais é que falsificam a
imagem do mundo. Veja por exemplo aqui: em um subúrbio, um sapateiro
matou a mulher que o traía. Eu não afirmo que isso seja mentira. Mas
acontece que o jornal escolhe os fatos que noticia. O jornal quer fatos
que sejam notícias, que tenham conteúdo jornalístico. Vejamos a história
desse crime."Durante os três primeiros anos o casal viveu imensamente
feliz. . ." Você sabia disso? O jornal nunca publica uma nota assim:
"Anteontem, cerca de 21 horas, na rua Arlinda, no Méier, o
sapateiro Augusto Ramos, de 28 anos, casado com a senhora Deolinda Brito
Ramos, de 23 anos de idade, aproveitou-se de um momento em que sua
consorte erguia os braços para segurar uma lâmpada para abraçá-la
alegremente, dando-lhe beijos na garganta e na face, culminando em um
beijo na orelha esquerda. Em vista disso, a senhora em questão voltou-se
para o seu marido, beijando-o longamente na boca e murmurando as
seguintes palavras:"Meu amor", ao que ele retorquiu: "Deolinda". Na
manhã seguinte, Augusto Ramos foi visto saindo de sua residência às 7,45
da manhã, isto é, dez minutos mais tarde do que o habitual, pois se
demorou, a pedido de sua esposa, para consertar a gaiola de um
canário-da-terra de propriedade do casal".
A impressão que a gente tem, lendo os jornais- continuou meu
amigo-é que"lar" é um local destinado
Rubem Braga- 47
principalmente à prática de"uxoricídio". E dos bares, nem se fala.
Imagine isto:
"Ontem, cerca de 10 horas da noite, o indivíduo Anafias
Fonseca, de 28 anos, pedreiro, residente à rua Chiquinha, sem número,
no Encantado, entrou no bar"flor Mineira", à rua Cruzeiro, 524, em
companhia de seu colega Pedro Amâncio de Araújo, residente no mesmo
endereço. Ambos entregaram-se a fartas libações alcoólicas e já se
dispunham a deixar o botequim quando apareceu Joca de tal, de residência
ignorada, antigo conhecido dos dois pedreiros, e que também estava
visivelmente alcoolizado. Dirigindo-se aos dois amigos, Joca
manifestou desejo de sentar-se à sua mesa, no que foi atendido. Passou
então a pedir rodadas de conhaque, sendo servido pelo empregado do

botequim, Joaquim Nunes. Depois de várias rodadas, Joca declarou que
pagaria toda a despesa. Ananias e Pedro protestaram, alegando que eles
já estavam na mesa antes. Joca, entretanto, insistiu, seguindo-se uma
disputa entre os três homens, que terminou com a intervenção do referido
empregado, que aceitou a nota que Joca lhe estendia. No momento em que
trouxe o troco, o garçom recebeu uma boa gorjeta, pelo que ficou
contentíssimo, o mesmo acontecendo aos três amigos que se retiraram do
bar alegremente, cantarolando sambas. Reina a maior paz no subúrbio do
Encantado, e a noite foi bastante fresca, tendo dona Maria, sogra do
comerciário Adalberto Ferreira, residente à rua Benedito, 14, senhora
que sempre foi muito friorenta, chegado a puxar o cobertor, tendo depois
sonhado que seu netinho lhe oferecia um pedaço de goiabada".
E meu amigo:
- Se um repórter redigir essas duas notas e levá-las a um
secretário de redação, será chamado de louco. Porque OS jornais noticiam
tudo, tudo, menos uma coisa tão banal de que ninguém se lembra: a
vida...
Maio, 1951
48
Ele se chama Pirapora
Chama-se Pirapora, o meu corrupião; eu o trouxe lá da beira do
São Francisco, muito feio, descolorido e sem cauda. Consegui uma licença
escrita para poder conduzi-lo; apesar disso houve um chato da companhia
aérea que implicou com ele na baldeação em Belo Horizonte. Queria que
ele viesse no compartimento de bagagens, onde certamente morreria de
frio ou de tédio. Houve muita discussão, da qual Pirapora se aproveitou
para conquistar a amizade de um negro carregador, limpando-lhe
carinhosamente a unha com o bico. Encantado com o passarinho, esse
carregador me ajudou a ludibriar o exigente funcionário, e fizemos boa
viagem.
A princípio eu me preocupava em saber o que o bicho comia. Hoje
me pergunto o que ele não come. Carne de vaca; verduras, tomate,

laranja, goiaba, miolo de pão, mamão, sementes, gema de ovo, palito de
fósforos e revistas
Rubem Braga- 49
ilustradas, praticamente tudo ele come. É mesmo um pouco antropófago,
porque devora qualquer pedacinho de pele da mão da gente que descobre.
Os alimentos mais secos ele os põe nágua e faz uma espécie de sopinha
fria. Come e descome com uma velocidade terrível; tem um metabolismo
alucinado, mas respeita rigorosamente a limpeza do canudo de palha em
que mora. Adora tudo o que brilha, pedras preciosas ou metais, e fica
bicando essas coisas com uma teimosia insensata, como a lamentar que não
sejam comestíveis. Passa horas brincando com um pedaço de barbante,
mas isso parece que lhe faz um pouco mal aos nervos. Peço às damas
visitantes que retirem os anéis quando se aproxlmam da gaiola.
Agora ele está de rabo comprido, penas negras lustrosas e
penas alaranjadas vibrantes de cor. Está realmente bonito, voa um pouco
pela casa todo dia e toma banho duas vezes ao dia. Enfim, tenho todos os
motivos para me orgulhar de meu corrupião; e devia estar contente.
Mas a verdade é muito outra. Há um pequeno drama de família;
estamos de mal.
Conheço muitas histórias de corrupião; corrupião que assobia o
Hino Nacional; corrupião que só gosta de mulher, não tolera homem;
corrupião que quando o dono da casa chega ele assobia até que abram a
gaiola e ele pouse no ombro do homem; corrupião que passeia pelo bairro
inteiro e volta para casa ao escurecer, etc.
O meu, não. Talvez a culpa seja minha, que o educo mal. Sei como
deveria proceder com ele: movimentos sempre lentos, chantagem na base do
miolo de pão, não lhe dando comida demais para que ele venha comer na
mão; certa
50
mistura de disciplina e carinho, sistema de prêmios e castigos. Enfim,

aquele negócio dos reflexos condicionados.
Ele já estava bastante meu amigo quando cometi o primeiro erro;
e ele reagiu. Afastava-se de mim; se eu aproximava o dedo, ele o
bicava com força. Despeitado com esse tratamento, eu devo ter sido um
pouco brusco. Um dia em que ele não queria de jeito nenhum sair da
gaiola eu o agarrei e o trouxe para fora à força. Não gostou.
O pior é que tomei gosto em irritá-lo. Estalo os dedos sobre sua
cabeça, o que o faz emitir estranhos grunhidos, enchendo o papo de
vento, esticando o pescoço e dando grandes assobios; fica parecendo um
galo de briga; uma gracinha. Mas com essas provocações ele foi, devagar,
devagarinho, criando um certo ódio de mim.
Não, ainda não será ódio. De outras vezes ele já levou um dia
inteiro, até dois, sem me dirigir a palavra e mesmo sem me olhar; mas
logo o rancor sumiu de sua alminha leve, e voltamos às boas. Desta vez
ele está há quatro dias completamente hostil, e minha presença o
incomoda visivelmente. Por acinte trata bem qualquer pessoa estranha,
o rufião. Mas creio que sua amizade é um bem ainda recuperável.
O pior é que eu digo essas coisas assim, mas no fundo sou um
pouco rancoroso, e estou criando uma certa mágoa desse bicho ingrato que
eu trouxe da roça para a Capital da República, até cheguei a ir à feira
só para comprar comidinhas melhores para ele, dei gaiola grande e
bonita, uma vez gastei oitenta cruzeiros de táxi só para vir em casa
livrá-lo de uma chuva súbita. Não, não sei se ainda lhe tenho a mesma
estima. Nosso último incidente foi há três dias, e ele ainda hoje à
tarde me tratou com uma antipatia suprema e ainda por cima se desmanchou
em graças e carinhos com o boy que veio buscar a crônica.
Acho que vou dar esse corrupião- ou despedir esse boy.
Julho, 1958
Rubem Braga- 51
Os Teixeiras I-Os Teixeiras moravam em frente
Para não dar o nome certo digamos assim: os Teixeiras moravam
quase defronte lá de casa.

Não tínhamos nada contra eles: o velho, de bigodes brancos, era
sério e cordial e às vezes até nos cumprimentava com deferência. O outro
homem da casa tinha uma voz grossa e alta, mas nunca interferiu em nossa
vida, e passava a maior parte do tempo em uma fazenda fora da cidade;
além disso seu jeito de valentão nos agradava, porque ele torcia para o
mesmo time que nós.
Mas havia as Teixeiras. Quantas eram, oito ou vinte, as irmãs
Teixeiras? Sei que era uma casa térrea muito, muito longa, cheia de
janelas que davam para a rua, e em cada janela havia sempre uma Teixeira
espiando. Havia umas que eram boazinhas, mas em conjunto as irmãs
Teixeiras eram nossas inimigas, acho que principalmente as mais velhas e
mais magras.
As Teixeiras tinham um pecado fundamental: elas não COmpreendiam
que em uma cidade estrangulada entre morros, nós, a infância, teríamos
de andar muito para arranjar um campo de futebol; e, portanto, o nosso
campo natural para chutar uma bola de borracha ou de meia era a rua
mesmo.
Jogávamos descalços, a rua era calçada de pedras irregulares
(só muitos anos depois vieram os paralelepípedos,
52
e eu me lembro que os achei feios, com sua cor de granito, sem a doçura
das pedras polidas entre as quais medrava o capim; e achei o nome também
horroroso, insuportável, paralelepipedos, nome que o prefeito dizia com
muita importância, parece que a grande glória de Cachoeiro e o progresso
supremo da humanidade residia nessa palavra imensa e antipáticaparalelepípedos-; mas, como eu ia dizendo, a gente dava tanta topada que
todos tínhamos os pés escalavrados: as plantas dos pés eram de couro
grosso, e as unhas eram curtas, grossas e tortas, principalmente do
dedão e do vizinho dele. Até ainda me lembro de um pedaço do"campo" que
era melhor, era do lado do extrema-direita de quem jogava de baixo para
cima, tinha uma pedra grande, lisa, e depois um meio metro só de terra
com capim, lugar esplêndido para chutar em gol ou centrar.
Tenho horror de contar vantagem, muita gente acha que eu quero
desmerecer o Rio de Janeiro contando coisas de Cachoeiro, isto é uma
injustiça; a prova aqui está: eu reconheço que o Estádio do Maracanã é
maior que o nosso campo, até mesmo o Pacaembu é bem maior. Só que
nenhum dos dois pode ser tão emocionante, nem jamais foi disputado tão
palmo a palmo ou pé a pé, topada a topada, canelada a canelada, às vezes

tapa a tapa.
Não consigo me lembrar se a marcação naquele tempo era em
diagonal ou por zona; em todo caso a técnica do futebol era diferente, o
jogo era ao mesmo tempo mais cavado e mais livre, por exemplo: não era
preciso ter 11 jogadores de cada lado, podia ser qualquer número, e
mesmo às vezes jogavam cinco contra seis, pois a gente punha dois
menores para equilibrar um vaca-brava maior.
Eu disse que as partidas eram emocionantes; até hoje não
compreendo como as Teixeiras jamais se entusiasmaram pelos nossos
prélios. Isso foi um erro, e na semana que vem eu contarei por quê.
Abril, 1953
Rubem Braga- 53
II- As Teixeiras e o futebol
Com os Andradas tínhamos feito uma espécie de pacto; a gente não
jogava bola na rua defronte da casa deles,mas um pouco para cima, onde
havia um muro que dava para o quintal da casa; em compensação, eles
deixavam a gente pular o muro e apanhar a bola quando ela caía lá. Mas o
muro não era bastante comprido, e assim o nosso campo abrangia, como eu
ia dizendo, algumas janelas das Teixeiras. As quais, eu também já disse,
não apreciavam o futebol.
Quando a gritaria na rua era maior, uma das Teixeiras costumava
nos passar um pito da janela, mandando a gente embora. O jogo parava um
instante, ficávamos quietos, de cara no chão- e logo que ela saía da
janela a peleja continuava. Às vezes aquela ou outra Teixeira voltava a
gritar conosco- começavam por nos chamar de"meninos desobedientes" e
acabavam nos chamando de"moleques", o que nos ofendia muito ("Moleque é
a senhora!"- gritou Chico uma vez), mas de modo algum nos impedia de
finalizar a pugna.
Uma das Teixeiras era mais cordial, chamava um de nós pelo nome,
dizia que éramos uns meninos inteligentes, filhos de gente boa, portanto
poderíamos compreender que a bola poderia quebrar uma vidraça."Não
quebra não senhora! Não quebra não senhora!"- gritávamos com absoluta
convicção, e tratávamos de tocar o jogo para a frente para não ouvir

novas observações.
Um dia ela nos propôs jogar mais para baixo, então o Juquinha
foi genial: "Não, senhora, lá nós não podemos
54
porque tem a Dona Constança doente", desculpa notável e prova de bom
coração de nosso time.
"Então por que vocês não jogam mais para cima?"- propôs ela com
certa astúcia, e falando um pouco baixo, como se temesse que os vizinhos
de cima ouvissem."Ah, não, lá o campo não presta!", argumento, aliás
sincero, de ordem técnica, e portanto irrespondível.
"Eu vou falar com papai! Quando ele chegar vocês vão ver" -
gritou certa vez uma das Teixeiras mais antipáticas. Pois naquele
momento o coronel de bigodes brancos ia chegando, o jogo parou, ele
perguntou à filha o que era, ela disse"esses meninos fazendo algazarra
aí, é um inferno, qualquer hora quebram uma vidraça"- mas o velho ouviu
calado e entrou calado, sem sequer nos olhar, nem dar qualquer
importância ao fato. Sentimos que o velho, sim, era uma pessoa realmente
importante e um homem direito, e superior, e continuamos nossa partida.
As queixas que algumas Teixeiras faziam em nossa casa eram muito
bem recebidas por mamãe, que lhes dava toda razão-"esses meninos estão
mesmo impossíveis"- e uma ou duas vezes nos transmitiu essas queixas
sem convicção. De outra feita, como a conversa lá em casa versasse sobre
as Teixeiras, ouvimo-la dizer que fulana e sicrana (duas das irmãs) eram
muito boazinhas, muito simp áticas, mas beltrana, coitada, era tão
enjoada, tão antipática,"ainda ontem esteve aqui fazendo queixas de
meus filhos".
Mamãe era a favor de nosso time; mamãe, no fundo, e papai também
(hoje, que o time e eles dois morreram, esta súbita certeza, ao meditar
no distante passado, tem um poder absurdo, inesperado de me comover, até
sentir um ardor de lágrimas nos olhos)- eles sempre foram a favor de
nosso time!
E nosso caso com as Teixeiras foi-se agravando, como se verá.
Abril, 1953
Rubem Braga- 55

III-A vingança de uma Teixeira
A troca da bola de meia para a bola de borracha foi uma
importante evolução técnica do association em nossa rua. Nossa primeira
bola de borracha era branca e pequena, um dia, entretanto, apareceu um
menino com uma bola maior, de várias cores, belíssima, uma grande bola
que seus pais haviam trazido do Rio de Janeiro. Um deslumbramento;
dava até pena de chutar. Admiramo-la em silêncio; ela passou de mão em
mão; jamais nenhum de nós tinha visto coisa tão linda.
Era natural que as Teixeiras não gostassem quando essa bola
partiu uma vidraça. Nós todos sentimos que acontecera algo terrível.
Alguns meninos correram; outros ficaram a certa distância da janela,
olhando, trêmulos, mas apesar de tudo dispostos a enfrentar a
catástrofe. Apareceu logo uma das Teixeiras, e gritou várias
descomposturas. Ficamos todos imóveis, calados, ouvindo, sucumbidos. Ela
apanhou a bola e sumiu para dentro de casa. Voltou logo depois e, em
nossa frente, executou o castigo terrível: com um grande canivete preto
furou a bola, depois cortou-a em duas metades e jogou- -a à rua. Nunca
nenhum de nós teria podido imaginar um ato de maldade tão revoltante.
Choramos de raiva; apareceram mais duas Teixeiras que davam gritos e
ameaçavam descer para nos puxar as orelhas. Fugimos.
A reunião foi junto do cajueiro do morro. Nossa primeira idéia
de vingança foi quebrar outras vidraças a pedradas. Alguém teve um
plano mais engenhoso: dali mesmo, do alto do morro, podíamos quebrar as
vidraças com atiradeiras, e assim ninguém nos veria.- Mas elas vão
logo dizer que fomos nós!
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Alguém informou que as Teixeiras iam todas no dia seguinte para
uma festa na fazenda, um casamento ou coisa que o valha. O plano de
assalto à casa foi traçado por mim. A casa das Teixeiras dava os fundos
para o rio e uma vez, em que passeava de canoa, pescando aqui e ali, eu
entrara em seu quintal para roubar carambolas. Havia um cachorro, mas
era nosso conhecido, fácil de enganar.
Falou-se muito tempo dos ladrões que tinham arrombado a porta
da cozinha da casa das Teixeiras. Um cabo de polícia esteve lá, mas não
chegou a nenhuma conclusão. Os ladrões tinham roubado um anel sem muito
valor, mas de grande estimação, com monograma, e tinham feito uma

desordem tremenda na casa; havia vestidos espalhados pelo chão, um
tinteiro e uma caixa de pó-de-arroz entornados em um quarto, sobre uma
cama. Falou-se que tinha desaparecido dinheiro, mas era mentira;
lembro-me vagamente de uma faca de cozinha, um martelo, uma lata de
goiabada; isso foi todo o nosso botim.
O anel foi enterrado em algum lugar no alto do morro; mas alguns
dias depois caiu um temporal e houve forte enxurrada; jamais conseguimos
encontrar o nosso tesouro secretíssimo, e rasgamos o mapa que havíamos
desenhado.
Durante algum tempo as famílias da rua fecharam com mais cuidado
as portas e janelas, alguns pais de família saltaram assustados da cama
a qualquer ruído com medo dos ladrões, mas eles não apareceram mais.
Nosso terrível segredo nos deu um grande sentimento de
importância, mas nunca mais jogamos futebol diante da casa das
Teixeiras. Deixamos de cumprimentar a que abrira a bola com o canivete;
mesmo anos depois, já grandes, não lhe dávamos sequer bom-dia. Não sei
se foi feliz na existência, e espero que não; se foi, é porque praga
de menino não tem força nenhuma.
Abril, 1953
Rubem Braga - 57
A casa viaja no tempo
Volto, como antigamente, a esta grande casa amiga, na noite de
domingo. Recuso, com o mesmo sorriso, a batida que o dono da casa me
oferece, e tomo a mesma cachacinha de sempre. O dono da casa é o mesmo,
a cachaça é a mesma, a casa, eu... E tantas vezes vim aqui que não tomo
consciência das coisas que mudaram.
Sento-me, por acaso, ao lado de uma jovem senhora, amiga da
família, e a conversa é tranqüila e morna. Mas de repente, a propósito
de alguma coisa, ela diz que se lembra de mim há muito tempo. "Você
vinha às vezes jantar, sempre assim, de paletó e sem gravata. Sentava
calado, com a cara meio triste, um ar sério. Eu me lembro muito bem. Eu
tinha seis anos...

Seis anos! Certamente não me recordo dessa menina de seis anos;
a casa sempre esteve cheia de meninas e mocinhas, há pessoas que eu
conheço de muitos domingos através te muitos anos, e das quais nem
sequer sei o nome. Pessoas que para mim fazem parte desta casa e desses
domingos, visitando esta casa.
A primeira recordação que tenho dessa jovem é de uma adolescente
que às vezes dançava no jardim. Era certamente linda; mas não creio que
tivéssemos trocado, através dos
58
anos, mais de duas ou três frases ocasionais. Sempre tive a vaga
impressão de que, por algum motivo imponderável, ela não simpatizava
comigo. Só agora me dou conta de que a vi crescer, terei sido uma
distraída testemunha de seus flertes, seu namoro; lembro-me de seu
noivado, lembro-me quando se casou, sei que hoje, ainda tão moça, tem
dois filhos- e a maternidade veio definir melhor sua radiosa beleza
juvenil.
Inutilmente procuro reconstituir a menina de seis anos que me
olhava na mesa, e me achava triste. E não faço a menor idéia do que ela
soube ou viu a meu respeito durante esses inumeráveis domingos.
Certamente fui sempre, para ela, uma figura constante, mas vaga - um
senhor feio e quieto, que ela se acostumou a ver distraidamente de vez
em quando- às vezes com um ano ou mais de intervalo, que viaja e
reaparece com a mesma cara e o mesmo jeito. Tomo consciência de que é a
primeira vez que conversamos os dois, ao fim de tantos anos de vagos
"boa-noite" e"como vai?", mas nossa conversa tranqüila e trivial me
emociona de repente quando ela diz:"eu tinha seis anos..."
Penso em tudo o que vivi nestes anos- tanta coisa tão intensa
que veio e foi- e penso na casa, no dono da casa, na família, na gente
que passou por aqui. A casa não é mais a mesma, a casa não é mais casa,
é um grande navio que vai singrando o tempo, que vai embarcando e
desembarcando gente no porto de cada domingo: dentro em pouco outra
menina de seis anos, filha dessa menina, estará sentada na mesma sala,
sob a mesma lâmpada, e com seus dois olhinhos pretos verá o mesmo senhor
calado, de cara triste- o mesmo senhor que numa noite de domingo, sem o
saber, se despedirá para sempre e irá para o remoto país onde encontrará
outras sombras queridas ou indiferentes que aqui viveram também suas
noites de domingo- e não voltaram mais.
Junho, 1953

Paulo Mendes Campos - 59
Paulo Mendes Campos
Ser brotinho
Fábula eleitoral para crianças
Maria José
O carioca e a roupa
O cego de Ipanema
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Ser brotinho
Ser brotinho não é viver em um pínc aro azulado: é muito mais!
Ser brotinho é sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das
mulheres, rir como se o ridículo, visível ou invisível, provocasse uma
tosse de riso irresistível.
Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de
cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo
todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas
lançando fogo pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.
É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a
contemplar o teto, só para poder contar depois que ficou a tarde inteira
olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no
apartamento da amiga comendo comida de lata e cortar o dedo. Ser

brotinho é ainda possuir vitrola própria e perambular pelas ruas do
bairro com um ar sonso-vagaroso, abraçada a uma porção
Paulo Mendes Campos- 61
de elepês coloridos. É dizer a palavra feia precisamente no instante em
que essa palavra se faz imprescindível e tão inteligente e natural. É
também falar legal e bárbaro com um timbre tão por cima das vãs
agitações humanas, uma infleXãO tão certa de que tudo neste mundo
passa depressa e não tem a menor importância.
Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um
adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas
que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao
vácuo absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de
vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel,
recados que os anacolutos tornam misteriosos, anotações criptográficas
sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com
uma sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa que
pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser brotinho é a
inclinação do momento.
É telefonar muito, estendida no chão. É querer ser rapaz de vez
em quando só para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade.
Achar muito bonito um homem muito feio; achar tão simpática uma senhora
tão antipática. É fumar quase um maço de cigarros na sacada do
apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas.
Ser brotinho é comparar o amigo do pai a um pincel de barba, e a
gente vai ver está certo: o amigo do pai parece um pincel de barba. É
sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa,
completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem
saber verbos irregulares. E ter comprado na feira um vestidinho gozado
e bacanérrimo.
É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva, úmida
camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se
mais. É ter saído um dia com uma rosa Vermelha na mão, e todo mundo
pensou com piedade que
62
ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema mas com um jeito de
quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido dois gins,

quatro uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir
nada, mas ter outra vez bebido só um cálice de vinho do Porto e ter dado
um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política como
se o presente fosse passado, e vice-versa.
Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da festa com
uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter estudado
ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame
Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome
e ter aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o
salmão e morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para
ninguém a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É
manter o ritmo na melodia dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa
grossa e blue-jeans. Ter horror de gente morta, ladrão dentro de casa,
fantasmas e baratas. Ter compaixão de um só mendigo entre todos os
outros mendigos da Terra. Permanecer apaixonada a eternidade de um mês
por um violinista estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser
brotinho é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão
amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a
presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto moderno,
ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar
parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada
vê, nada ouve, nada fala.
Ser brotinho é adorar. Adorar o impossível. Ser brotinho é
detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara
horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de
pijama telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um
sanduíche americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra.
Paulo Mendes Campos- 63
Fábula eleitoral para crianças
Um dia, as coisas da natureza quiseram eleger o rei Ou a rainha
do universo. Os três reinos entraram logo a Confabular. Animais, vegetais
e minerais começaram a viver Uma vida agitada de surtos eloqüentes,
manobras, recados furtivos, mensagens cifradas, promessas mirabolantes,
ardis, intrigas, palpites, conversinhas ao pé do ouvido.

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Entre os bichos era um tumulto formidável. Bandos de periquitos
saíam em caravana eleitoral, matilhas de cães discursavam dentro da
noite, cáfilas de camelos percorriam os desertos, formigas realizavam
comícios fantásticos, a rainha das abelhas passava com o seu séquito,
sem falar nos cardumes de peixes, nos lobos em alcatéias pelos montes,
nas manadas de búfalos pelas savanas, nas revoadas instantâneas dos
pombos-correios.
Todas as qualidades eram postas à prova: a astúcia da raposa, a
agilidade dos felinos, o engenho dos cupins, o siso da coruja, o poder
de intriga das serpentes, a picardia do zorro, a doçura da pomba, a
teimosia do burro, o cosmopolitismo dos ratos...
O leão, o tigre, a pantera, o leopardo e outros queriam derramar
muito sangue; os pássaros coloridos faziam frente única para indicar um
pássaro colorido; já os pássaros que cantam decidiam apontar como
candidato o rouxinol, a cotovia, a patativa; as cegonhas, irresolutas,
passavam as tardes pensando; os patos selvagens desfilavam no céu; as
andorinhas, tímidas, buscavam o refúgio das igrejas; e a águia, fascista
de nascença, pretendia organizar lá no alto uma conferência de que só
participassem as aves de rapina, como o falcão, o condor e o
gavião-de-penacho.
Os papagaios viviam a arengar bobagens pelas árvores; a raposa
corria as várzeas articulando uma candidatura, ninguém sabia qual; os
macacos eram vaiados quando alegavam a semelhança com o homem; o
cavalo se insinuou candidato, dando a sua condição de antigo senador;
o pavão, escondendo os pés, exibia a cauda; nos brejos, os sapos
repetiam slogans monótonos; os jacarés e as tartarugas ressonavam na
beira dos rios, que passavam levando sussurros quase imperceptíveis, a
conversar as pedras e as ervas das margens; o rato do campo ia de vez em
quando se aconselhar
Paulo Mendes Campos- 65
com o rato da cidade; os gansos citavam velhos costumes romanos; certos
bichos, como o boi e a íbis, invocavam direitos divinos, que não eram
mais levados a sério; as hienas e os chacais Opinavam por um conselho de
notáveis, a ser constituído pelos animais ferozes, que lhes deixavam
os restos; até a ameba, coitada, queria ser candidata, dizendo-se a

origem da vida.
A mosca azul voava e revoava por todos os cantos. Quem será o
rei ou a rainha do universo? De dia, as borboletas andavam como doidas
pelos campos, à noite, os vaga-lumes acendiam as suas luzes.
Nas profundezas da terra, o carbono fazia estranhas combinações
com o hidrogênio. O diamante e o ouro reluziam de esperança. As
estrelas pretendiam uma coalizão de todo o espaço constelado em torno de
Vênus, causando ciúmes à Lua.
As flores distribuíam perfumes. Árvores agitadas recebiam
recados que os ventos traziam de longe. A floresta pensava eleger não um
rei, mas um colegiado de carvalhos, velhos, cheios de experiência. E por
toda a flora era um germinar, um brotar, um verdej ar, um florescer. Os
monocotiledôneos discordavam dos dicotiledôneos, os fanerógamos
acusavam de hipocrisia os criptógamos. A plena campanha eleitoral com
todos os incidentes. Só os ciprestes continuavam fechados em sua
indiferença.
A despeito dos interesses em choque, e de tantas contradições,
é preciso dizer, a bem da verdade, que o pleito transcorreu com a máxima
lisura.
Ao fim de tudo, a escolha não podia ter sido mais feliz, pois os
três reinos unidos elegeram a rosa rainha suprema do universo.
Sim, a rosa, a rosa na sua simplicidade tocada de esplendor,
presa na sua haste entre o céu e a terra, eterna
66
e efêmera, a rosa, carne, espírito e pó. E para entronizar a rainha, o
dia se iluminou com a sua luz mais clara, o mar se fez manso, os
pássaros cantaram com inspiração, as árvores se puseram mais verdes e
mais altas, as flores vestiram roupagens de gala, os seixos rolaram
alegremente nas praias, os juncos das lagoas se inclinaram em
reverência, as nuvens se desfraldaram como cortinas de gaze sobre o
berilo. No fundo do mar era uma alegria silenciosa e solene como um
Te-Deum em uma catedral verde-escuro, os polvos gesticulando em câmara
lenta, os peixes e as medusas passando sem barulho.
Entre os seres humanos, só as crianças sabiam que era o dia da
entronizaçao da rosa, e nada contaram a ninguém. Mas pelo jardim onde
se achava a rosa, expectante no seu recato soberano, passava naquela
manhã um homem feio e preocupado. Era um candidato a qualquer coisa, a
vereador, a deputado, a Presidente da República, não se sabe ao certo.

Distraído com as suas ambições, ele colheu a rainha do universo, que
entrou logo a fenecer em suas mãos úmidas. Depois, olhou e viu que se
tratava de uma bela rosa, um a rosa digna de se oferecer a uma namorada.
Mas ele não tinha namorada. Mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer.. .
Ele começou a desfolhar a rosa só para saber se dessa vez seria eleito:
à Câmara de vereadores, de deputados ou à curul da Presidência da
República, não se sabe ao certo. E a rosa morreu. E foi por isso que o
dia se fechou de repente, o céu ficou escuro, os animais uivaram nos
bosques, os pássaros sumiram, o vento se desatou sobre o mar agora
encapelado, o raio e o trovão tomaram conta da noite sem estrelas, e as
crianças na hora do jantar perderam a fome. Tinha morrido a rainha do
universo.
Mas nas trevas desabrochou outra rosa para iluminar com a sua
beleza o jardim amanhecido.
Paulo Mendes Campos- 67
Maria José
Faz um ano que Maria José morreu. Era meiga quase Sempre,
violenta quando necessário. Eu era menino e apanhava de um companheiro
maior, quando ela me gritou da sacada se eu não via a pedra que marcava
o gol. Dei uma tijolada no outro e acabei com a briga como por milagre.
Visitava os miseráveis, internava indigentes enfermos,
devotava-se ao alívio de misérias físicas e morais do próximo, estudava
o mistério teológico, exigia sempre o mais difícil de si mesma,
comungava todos os dias, ingressou na Ordem Terceira de São Francisco.
Mas nunca deixou de ter na gaveta o revólver que recebera,
menina-e-moça, das mãos do pai, e que empunhou no quintal noturno,
perseguindo U~ ladrão, para espanto de meus cinco anos.
Tratou-me com a dureza e o carinho que mereciam a rebeldia e o
verdor da minha meninice. Ensinou-me a ler as primeiras sentenças; me
falava no Cura de Ars e nos dois Pranciscos, o de Saies e o de Assis;
apresentou-me aos contos de Edgar Poe e aos poemas de Baudelaire;
dizia-me sorrindo versos de Antônio Nobre que decorara em menina;
discutia

68
comigo as idéias finais de Tolstoi; escutava maternalmente meus contos
toscos. Quando me desgarrei nos primeiros enleios adolescentes, Maria
José com irônico afeto me repetia a advertência de Drummond: "Paulo,
sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não
beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que
sera".
Logo que me fiz homenzinho, deixou a dureza e se fez a minha
amiga: nada me perguntava, adivinhava tudo.
Terna e firme, nunca lhe vi a fraqueza da pieguice. Com o gosto
espontâneo da qualidade das coisas, renunciou às vaidades mais singelas.
Sensível, alegre, aprendeu a encarar o sofrimento de olhos lúcidos.
Fiel à disciplina religiosa, compreendia celestialmente as almas que se
transviam. Fé, Esperança e Caridade eram para ela a flecha e o alvo das
criaturas.
Tornara-se tão íntima da substância terrestre- a dor- que se
fazia difícil para o médico saber o que sentia; acabava dizendo que doía
um pouco, por delicadeza.
Capaz de longos jejuns e abstinências, já no final da vida,
podia acompanhar um casal amigo a Copacabana, passar do bar da moda ao
restaurante diferente, beber dois ou três uísques em santa serenidade e
aceitar com alegria o prato exótico.
Gostava das pessoas erradas, consumidas de paixão, admirava São
Paulo e Santo Agostinho, acreditava que era preciso se fazer violência
para entrar no reino celeste.
Poucas horas antes de morrer, pediu um conhaque e sorriu,
destemida e doce, como quem vai partir para o ceu. Santificara-se.
Deus era o dia e a noite de seu coração, o Pai, a piedade, o
fogo do espírito.
Perdi quem me amava e perdoava, quem me encomendava à
compaixão do Criador e me defendia contra o mundo de revólver na mão.
Paulo Mendes Campos- 69
O carioca e a roupa

Entre meus conterrâneos, os econômicos mineiros, é um motivo de
orgulho, de ampla e sorridente satisfação, confessar que uma gravata
custou muito mais barato do que parece. No Rio é exatamente o contrário,
o sentimento de exaltação interior nasce quando se pode dar para a
gravata um preço alto que surpreenda o interlocutor.
Não conheço outra cidade em que a roupa tenha tanta importância
como aqui no Rio. O carioca é duma ironia corrosiva, terrivelmente
desmoralizadora para homens, instituições e idéias graves, uma ironia
também especialmente inimiga de qualquer pose ou afetação. Excetua-se a
roupa; a roupa é sagrada. Um Charles Chaplin, uma Eleanor Roosevelt, um
Mikoyan, um Oppenheimer, um Salk, um Alexander, um Schweitzer, um
Picasso, um Casperson, um T. S. Eliot, um outro nome qualquer entre os
expoentes contemporâneos em seus ramos de arte, ciência ou ofício,
nenhum deles conseguiria manter por muito tempo aqui no Rio a aura de
respeito que os cerca onde estejam. Sobretudo se cuidassem pouco de
sua encadernação, de sua roupa.
70
Muito possivelmente, ganhariam um apelido, veriam os seus cacoetes
imitados nas ruas e nos palcos mambembes, e passariam a ser conhecidos
do povo através de um defeito mesquinho, e não pela soma de suas
qualidades. Qualquer estrangeiro famoso, caso venha morar nesta cidade,
pode agradecer aos céus se não for rotulado de chato. O carioca
decidiu-se por uma grande simplificação da natureza humana,
classificando a humanidade em chatos e bons sujeitos; com a nuança única
de admitir que certos tipos, embora chatos, são no fundo uns bons
sujeitos.
Sob este aspecto, São Paulo, com a sua compostura, com o seu
culto a toda pessoa que emerge do anonimato, é o antídoto do Rio. Para o
estrangeiro, a Capital paulista é um respiradouro: depois da passagem
pelo Rio, onde nãc o levaram muito a sério, o chamado ilustre visitante
vai contemplar, refletida no olhar respeitoso do paulistano, a
verdadeira dimensão de sua glória.
E assim sempre foi, assim continua sendo, assim vai ser: o
carioca tem o gosto e o dom de igualar os homens, de refugar as
sofisticações, de considerar apenas em cada pessoa, independente de
qualquer outro valor, a sua capacidade de convívio. O resto o povo
destrói facilmente com duas ou três maldades de espírito.
Menos a roupa. A roupa, o problema de vestir-se, o preço e a

aparência das peças de seu vestuário, transformam o sorriso zombeteiro
do carioca numa expressão soturna e sofredora. É o seu ponto fraco, uma
zona que resiste à sua ironia e pode torná-lo infeliz.
Diante dum carioca típico, alegre, divertido, com respostas
humorísticas para tudo, experimentem, no momento exato de sua rigolade,
colocar em dúvida a qualidade de sua roupa ou de sua elegância. Atingido
por uma dolorosa pedrada, ele perderá instantaneamente o rebolado.
Sempre me chamou atenção no Rio a simplicidade com que as
pessoas falam de suas dificuldades financeiras, de
Paulo Mendes Campos- 71
seus sacríficios de orçamento, de suas turras, por falta de pagamento,
com os fornecedores. Esta admirável franqueza desaparece por completo
quando se trata de roupa. Neste capítulo, o carioca mente, exagera o
preço de seus ternos e de suas camisas, mesmo porque as brigas com os
fornecedores e os sacrifícios orçamentários são em grande parte
devidos às verbas que se desviam para alfaiates e camisarias.
O proletário francês veste-se mal e come bem; o proletário
alemão prefere vestir-se burguesmente e comer mal. É com este que se
parece o proletário carioca. E as outras classes o acolhem mais
complacentemente se ele passa fome mas se apresenta bem vestido. A roupa
vem assim compensar uma fome que não é de pão. Estamos diante de um
preconceito complexo, inextirpável do meio social do Rio, terra que
inventou e venera a lista dos dez mais, que realiza quase semanalmente
um conturso de elegância, terra lucrativa para os comerciantes de
tecidos e de roupa feita. Deu-se comigo outro dia uma experiência
engraçada: fui ao centro da cidade de blusa, coisa que me aconteceu
várias vezes, mas só então acrescida de um pormenor que introduziu um
caráter inédito à situação: levava debaixo do braço uma pasta de papéis,
feita de nylon.
Sim, pela primeira vez fui à cidade de blusa e pasta. Qualquer
um desses fatores quase nada significa isoladamente; reunidos,
alteraram radicalmente o tratamento que me deram todas as pessoas
desconhecidas.
Quando tomei um táxi, vi que o motorista torceu a cara, mas não
percebi o que se passava, pois experimentei Semelhante má vontade em
outras circunstâncias. Reparei também certa estranheza do motorista
quando lhe dei de Zorjeta o troco, mas permaneci opaco ao fenômeno
social que se realizava. Em um restaurante comum, sentei-me para

almoçar. O garçom, que até então eu não vira mais gordo, tratoume com
uma intimidade surpreendente e, em vez de
72
elogiar os pratos pelos quais eu indagava, entrou a
diminuí-los:"aqui a gororoba é uma Coisa só; serve para encher o bandulho".
Não sou de raciocínio rápido mas, em súbita iluminação, percebi, com
todo o prazer da novidade, que eu estava vestido de mensageiro: pasta e
blusa. Ao longo da tarde, fui compreendendo que, até hoje, não tinha a
menor idéia do que é ser um mensageiro. Pois eu lhes conto. Um
mensageiro é, antes de tudo, um triste. Tratado com familiaridade
agressiva pelos epítetos de amigo, chapa e garotão, o que há de afetivo
nestes nomes é apenas um disfarce, pois atrás deles o tom de voz é de
comando."Quer deixar o papai trabalhar, garotão", disse-me o faxineiro
de um Banco, cutucandome os pés com a ponta da vassoura.
Entendi muitas outras coisas humildes: o mensageiro
não tem direito a réplica; é barrado em elevadores de lotação ainda não
atingida; posto a esperar sem oferecimento de cadeira; atendido com um
máximo de lentidão; olhado de
cima para baixo; batem-lhe com vigor no ombro para pedir passagem;
ninguém lhe diz"obrigado ou por favor"; prestam-lhe informações com
relutância; as mulheres bonitas
sentem-se ofendidas com o olhar de homenagem do mensageiro; os
vendedores lhe dizem"não tem" com um deleite
sádico.
Foi uma incursão involuntária á natureza de uma sociedade
dividida em castas. Preso à minha classe e a algumas roupas, dizia o
poeta, vou de branco pela rua cinzenta. No fim da tarde, eu já procedia
como um mensageiro, só me aproximando dos outros com precaução e
humildade, recolhendo de meu rosto qualquer veleidade de um sorriso
inútil, jamais correspondido. Dentro de mim uma vontade de sofrer. Por
todos os mensageiros do mundo, meus irmãos. Por todos os meus irmãos
para os quais a humilhação de cada dia é certa como a própria morte.
Porque o pior de tudo é que as pessoas não sorriam. O pior é que
ninguém sorri para os mensageiros.

Paulo Mendes Campos - 73
O cego de Ipanema
Há bastante tempo que não o vejo e me pergunto se terá morrido
ou adoecido. É um homem moço e branco. Caminha depressa e ritmado, a
cabeça balançando no alto, como um instrumento, a captar os ruídos, os
perigos, as ameaças da terra. Os cegos, habitantes de um mundo
esquemático, sabem aonde ir, desconhecendo as nossas incertezas e
perplexidades. Sua bengala bate na calçada com um barulho seco e
compassado, investigando o mundo geométrico. A cidade é um vasto
diagrama, de que ele conhece as distâncias, as curvas, os ângulos. Sua
vida é uma série de operações matemáticas, enquanto a nossa costuma ser
uma improvisação constante, uma tonteira, um desvario. Sua
sobreviVência é um cálculo.
Ele parava ali na esquina, inclinava a cabeça para o lado, de
onde vêm ônibus monstruosos, automóveis traiÇoeiros, animais violentos
da selva de asfalto. Se da rua
74
chegasse apenas o vago e inquieto ruído a que chamamos silêncio, ele a
atravessava como um bicho assustado, sumia dentro da toca, que é um
botequim sombrio. Às vezes, ao cruzar a rua, um automóvel encostado à
calçada impedia-lhe a passagem. Ao chocar-se com o obstáculo, seu
corpo estremecia; ele disfarçava, como se tivesse apenas tropeçado, e
permanecia por alguns momentos em plena rua, como se a frustração o
obrigasse a desafiar a morte.
Mora em uma garagem, deixou crescer uma barba espessa e preta,
só anda de tamancos. De profissão, por estranho que sej a, faz chaves e
conserta fechaduras, chaves perfeitas, chaves que só os cegos podem
fazer. Vive (ou vivia) da garagem para o botequim, onde bebe,
conversa e escuta rádio. Os trabalhadores que almoçam lá o tratam
afavelmente, os porteiros conversam longamente com ele. Amigos meus que
o viram a caminhar com agilidade e segurança não quiseram acreditar que
ele fosse completamente cego. Outra vez, quando ele passava, uma
pessoa a meu lado fez um comentário que parecia esquisito e,
entretanto, apenas nascia da simplicidade com que devemos reconhecer a

evidência:- Já reparou como ele é elegante?
Seu rosto alçado, seu passo firme a disfarçar um temor quase
imperceptível, seus olhos vazios de qualquer expressão familiar, suas
roupas rotas, compunham uma figura misteriosamente elegante, de uma
elegância abstrata e hostil, uma elegância que as nossas limitações e
hábitos mentais jamais conseguirão exprimir.
Às vezes, revolta-se perigosamente contra o seu fado. Há alguns
anos, saíra do boteco e se postara em atitude estranha atrás de um carro
encostado ao meio-fio. Esperei um pouco na esquina. Parecia estar à
espreita de alguma coisa, uma espreita sem olhos, um pressentimento
animal. A rua estava quieta, só um carro vinha descendo quase
silenciosamente. O cego se contraía à medida que o automó-
Paulo Mendes Campos - 75
vel se aproximava. Quando o carro chegou à altura do ponto em que se
encontrava, ele saltou agilmente à sua frente. O motorista brecou a um
palmo de seu corpo, enquanto o cego vibrava a bengala contra o motor,
gritando:"Está pensando que você é o dono da rua?"
Outra vez, eu o vi em um momento particular de mansidão e
ternura. Um rapaz que limpava um Cadillac sobre o passeio deixou que ele
apalpasse todo o carro. Suas mãos percorreram os pára-lamas, o painel,
os faróis, os frisos. Seu rosto se iluminava, deslumbrado, como se seus
olhos vissem pela primeira vez uma grande cachoeira, o mar de encontro
aos rochedos, uma tempestade, uma bela mulher.
E não me esqueço também de um domingo, quando ele saía do
boteco. Sol morno e pesado. Meu irmão cego estava completamente bêbado.
Encostava-se à parede em um equilíbrio improvável. Ao contrário de
outros homens que se embriagam aos domingos, e cujo rosto fica irônico
ou feroz, ele mantinha uma expressão ostensiva de seriedade. A solidão
de um cego rodeava a cena e a comentava. Era uma agonia magnífica. O
cego de Ipanema representava naquele momento todas as alegorias da
noite escura da alma, que é a nossa vida sobre a Terra. A poesia se
servia dele para manifestar-se aos que passavam. Todos os cálculos do
cego se desfaziam na turbulência do álcool. Com esforço, despregava-se
da parede, mas então já não encontrava o mundo. Tornava-se um homem
trêmulo e desamparado como qualquer um de nós. A agressividade que lhe
empresta segurança desaparecera. A cegueira não mais o iluminava com o
seu sol opaco e furioso. Naquele instante ele era só um pobre cego. Seu
corpo gingava para um lado, para o outro, a bengala espetava o chão,

evitando a queda. Voltava assustado à certeza da parede, para recomeçar
momentos depois a tentativa desesperadora de desprender-se da embriaguez
e da Terra, que é um globo cego girando no caos.
Referências bibliográficas das crônicas utilizadas
Carlos Drummond de Andrade
"Gravação." In: De Noticias & Não-Notícias Faz-se a Crônica. 2ª ed.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p. 97-99.
"Carta a uma Senhora." In: Cadeira de Balanço. 8.ª ed. Rio de Janeiro,
José Olympio, 1976. p. 143-45.
"Anúncio de João Alves." In: Fala, Amendoeira. 7ª ed. Rio de Janeiro,
José Olympio, 1976. p. 82-84.
"Este Natal." In: Caminhos de João Brandão. 2ª ed. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1976. p. 82-84.
"No Lotação." In: Cadeira de Balanço. 8ª ed. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1976. p. 66-68.
Fernando Sabino
"Conversinha Mineira." In: A Mulher do Vizinho. 7ª ed. Rio de Janeiro,
Ed. Record, 1976. p. 137-39.
"Albertina." In: O Homem Nu. 13ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1976.
p. 176-80.
"Obrigado, Doutor." In: O Homem Nu. 13ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Record,
1976. p. 30-33.
"A Mulher do Vizinho." In: A Mulher do Vizinho.
7ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 1976. p. 34-36.

"A última Crônica." In: A Companheira de Viagem.
2.ª ed. Rio de Janeiro, Ed. Sabiá, 1972. p. 179-82.
Rubem Braga
"Luto, da Família Silva." In: 50 Crônicas Escolhidas.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1951. p. 50-51.
"Os Jornais." In: A Borboleta Amarela. 2ª ed.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1956. p. 155-57.
"Ele se Chama Pirapora." In: Ai de Ti, Copacabana.
Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1960. p. 125-28.
"Os Teixeiras." In: A Traição das Elegantes.
Rio de Janeiro, Ed. Sabiá, 1967. p. 26-34.
"A Casa Viaja no Tempo." In: A Traição das Elegantes.
Rio de Janeiro, Ed. Sabiá, 1967. p. 35-37.
Paulo Mendes Campos
"Ser Brotinho." In: O Cego de Ipanema. 2ª ed.
Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1961. p. 15-18.
"Fábula Eleitoral Para Crianças." In: O Cego de
Ipanema. 2ª ed. Rio de Janeiro, Ed. do Autor,
1961. p. 9-14.
"Maria José." In: O Anjo Bêbado. Rio de Janeiro,
Ed. Sabiá, 1969. p. 77-79.
"O Carioca e a Roupa." In: O Cego de Ipanema.
2ª ed. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1961. p. 51-56.
"O Cego de Ipanema." In: O Cego de Ipanema.
2ª ed. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1961. p. 159-62.

DESCUBRA O PRAZER DE LER
Vaga-Lume
Histórias emocionantes, cheias de ação,
numa linguagem simples e direta.
Uma série sugerida para alunos de 5ª a 8ª séries.
Acompanha Suplemento de Trabalho específico
para cada obra.
A ILHA PERDIDA
Maria José Dupré
CABRA DAS ROCAS
Homero Homem
CORAÇÃO DE ONÇA
Ofélia e Narbal Fontes
ÉRAMOS SEIS.
Maria José Dupré
OCASO DA BORBOLETA ATIRIA.
Lúcia Machado de Almeida
O ESCARAVELHO DO DIABO,
Lúcia Machado de Almeida
O GIGANTE DE BOTAS.
Ofélia e Narbal Fontes
MENINO DE ASAS
Homero Homem
TONICO
José Readode Filho
SPHARION.
Lúcia Machado de Almeida
A SERRA DOS DOIS MENINOS.
Aristides Fraga Lima
O MISTÉRIO DO CINCO ESTRELAS
Marcos Rey
ZEZINHO, O DONO DA POROUINHA PRETA.
Jair Vitéria
O FEIJÃO E O SONHO,
Orígenes Lessa
AVENTURAS DE XISTO
Lúcia Machado de Almeida

O RAPTO DO GAROTO DE OURO
Marcos Rey
XISTO NO ESPAÇO.
Lúcia Machado de Almeida
TONICO E CARNIÇA,
José Rezende Filho e Assis Brasil
UM CADÁVER OUVE RADIO
Marcos Rey
XISTO E O PASSARO CÓSMICo
Lúcia Machado de Almeida
A PRIMEIRA REPORTAGEM.
Sylvio Pereira
SOZINHA NO MUNDO
Marcos Rey
OS PEQUENOS JANGADEIROS
Aristides Fraga Lima
OS BARCOS DE PAPEL
José Maviael Monteiro
DELS ME LIVRE!.
Luiz Puntel
O MISTERIO DOS MORROS DOURADOS.
Francisco Marins
DINHEIRO DO CÉU.
Marcos Rey
PERIGOS NO MAR.
Aristides Fraga Lima
A GRANDE FUGA.
Sacio Pereira
BEM VINDOS AO RIO.
Marcos Rey
PEGA LADRÃO.
Luiz Galdino
AÇUCAR AMARGO.
Luiz Punrel
O OUTRO LADO DA ILHA
José Maviael Monteiro
OS PASSAGEIROS DO FUTURO
Wilson Rocha
ENIGMA NA TELEVISÃO
Marcos Rey

A MONTANHA DAS DUAS CARECAS
Francisco Marins
MENINOS SEM PÁTRIA
Luiz Puntel
GARRA DE CAMPEÃO
Marcos Rey
O NINHO DOS GAVIÕES
José Maviael Monteiro
A VIDA SECRETA DE JONAS
Luiz Galdino
AVENTURA NO IMPÉRIO DO SOL
Silvia Cintia Franco
QUEM MANDA JÁ MORREU
Marcos Rey
A TURMA DA RUA QUINZE
Marçal Aquino
NA BARREIRA DO INFERNO
Silvia Cintia Franco
UM LEÃO EM FAMILIA
Luiz Puntel
NA MIRA DO VAMPIRO.
Lopes dos Santos
CORRIDA INFERNAL
Marcos Rey
A ÁRVORE QUE DAVA DINHEIRO
Domingos Pellegrini
A MALDIÇÃO DO TESOURO DO FARAÓ
Sersi Bardari
NA ROTA DO PERIGO
Marcos Rey
O DESAFIO DO PANTANAL,
Silvia Cintia Franco
O JOGO DO CAMALEÃO
Marçal Aquino
AMEAÇAS NAS TRILHAS DO TARO,
Sersi Bardari
O FANTASMA DE TIO WILLIAM
Rubens Francisco Lucchetti
CONFUSÕES & CALAFRIOS
Silvia Cintia Franco

UM ROSTO NO COMPUTADOR.
Marcos Rey
TRÁFICO DE ANJOS
Luiz Puntel
UM GNOMO NA MINHA HORTA,
Wilson Rocha
OFFICE BOY EM APUROS
Bosco Brasil
O SEGREDO DOS SINAIS MÁGICOS
Sersi Bardari
A ALDEIA SAGRADA
Francisco Marins
DOZE HORAS DE TERROR
Marcos Rey
PARA GOSTAR DE LER
NÃO TEM QUEM NÃO GOSTE
Uma coleção sugerida para alunos de 5ª a 8ª série e do 2º grau.
Acompanha Suplemento de Trabalho específico para cada obra.
Nos volumes 1 a 5 uma seleção das melhores crônicas de Carlos
Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos.
No volume 6 uma reunião de poemas de Cecilia Meireles,
Henriqueta Lisboa, Mário Quintana e Vinicius de Moraes.
No volume 7 uma coletânea de crônicas de Carlos Eduardo Novaes,
José Carlos Oliveira, Lourenço Dia féria e Luís Fernando Veríssímo.
No volume 8 há uma reunião de contos de sete grandes escritores:
Graciliano Ramos, Ignácio de Loyola Brandão, José J. Veiga, Lima
Barreto, Luiz Vilela, Marcos Rey e Stanislaw Ponte Preta.
No volume 9 uma seleção de contos de sete consagrados autores:
Clarice Lispector, João António, Lygia Fagundes Telles, Machado de
Assis, Moacyr Scliar, Murilo Rubião e Wander Piroli.
No volume 10 contos antológicos de nove dos nossos melhores
escritores: Aluísio Azevedo, Antônio de Alcântara Machado, Erico
Verissimo, Guimarães Rosa, Ivan Angelo, Mário de Andrade, Orígenes
Lessa, Otto Lara Resende e Ricardo Ramos.
No volume 11 uma seleção de contos de grandes escritores da
literatura mundial: Anton Tchekhov, Edgar Allan Poe, Franz Kafka, Guy de

Maupassant, Jack London, Miguel de Cervantes e Voltaire.
Novolume 12 histôrias de detetive assinadas por seis mestres:
Conan Doyle, Medeiros e Albuquerque, Edgar Allan Poe, Jerônimo Monteiro,
Marcos Rey e Edgar Wallace.
No volume 13 ,histórias divertidas criadas pelo talento dos
escritores: Fernando Sabino, Artur Azevedo, Machado de Assis, Stanislaw
Ponte Preta, Lima Barreto, Luís Fernando Verissimo, Aluísio Azevedo e
Moacyr Scliar.
  

Morte acidental

          Enquanto ele falava, eu arrumava a churrasqueira até que todos viessem. Era uma típica festa de firma, onde as pessoas vão par...